Por Carol Lima de Carvalho*

Os meus escritos pretendem apreender reflexões sobre o racismo estrutural, que afeta diretamente os percursos de vida das populações negras, assim como as violências de gênero durante a pandemia. A partir da análise de organizações de mulheres negras constituídas antes e durante a pandemia, a ideia é enfatizar a importância de discussões em torno da proposição e efetivação de políticas públicas voltadas para populações até então invisibilizadas. E, neste caminhar, viabilizar maneiras para combater o racismo e todas as formas de opressões na sociedade brasileira. 

Durante a pandemia, as iniquidades tornaram-se ainda mais visíveis, principalmente no que diz respeito às violências de gênero, classe e raça. Importa destacar que esta conjuntura é reflexo do racismo estrutural.

O advogado, doutor e filósofo Silvio Almeida expõe o que isso significa. É uma forma “sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2019, p. 32). Por ser estrutural, ele reverbera em múltiplas instâncias como, por exemplo, na educação, nas culturas, nas estéticas e, principalmente, nas formas de produção de conhecimento.  

No caso das mulheres negras, segundo a filósofa, mestre e professora Djamila Ribeiro, “a combinação de opressões coloca a mulher negra num lugar no qual somente a interseccionalidade permite uma verdadeira prática que não negue identidades em detrimento de outras” (RIBEIRO, 2017, p. 3). Desse modo, é preciso considerar que as mulheres negras sofrem a violência racial e de gênero, entre outras formas de opressão.

A mestre, doutoranda e assistente social Carla Akotirene alerta-nos, também, que interseccionalidade para as mulheres negras e feministas negras é muito mais que um conceito, é uma teoria e uma ferramenta de luta política que emerge das ações cotidianas. 

As organizações aqui apresentadas possuem a interseccionalidade como teoria, além de enfatizar a importância da ancestralidade pensada como um “processo de formação identitária e de libertação, especialmente das pessoas inseridas nos contextos sociais desprivilegiados, pois implica em conhecer e reconhecer-se na construção de sua história e missão de vida” (MACHADO; ABIB, 2011, p. 6). Desse modo, a partir de suas experiências, constroem formas de combate ao racismo e violência de gênero.

Todas elas são compostas por mulheres negras e situam-se na cidade de Florianópolis, buscando (re)existir a partir de seus lócus de enunciação. Uma delas é a Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros (AMAB), do ano de 1985 e o projeto Afro-Power Ubuntu: eu sou porque nós somos, criado em 2020, durante a pandemia. 

A Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros (AMAB) é uma organização sem fins lucrativos que, por meio da educação, saúde e cultura, lutou e ainda luta pelo fim do racismo, das discriminações e pela equidade de direitos. A principal figura é Antonieta de Barros, pois reivindica a importância de viabilizar sua trajetória de vida dedicada à educação e à defesa das mulheres.

Neste caminhar, a AMAB realizou diversas ações no intuito de possibilitar que a educação transformasse vidas, como, por exemplo, o projeto Formando Educadoras Negras e a Mulher Negra no mergulho de sua história, projeto afro artesãs, além de organizar o Seminário Lei 10.639/03 para além dos muros da escola, Conversas com Antonieta e as homenagens aos aniversários de nascimento de Antonieta de Barros.  Durante a pandemia, as ações estão voltadas para representações nos espaços online e na participação e contribuição no Conselho Estadual das Populações Afro descendentes de Santa Catarina (CEPA/SC), assim como na organização de atividades que possam colaborar com as proposições de políticas públicas e na construção do Centro de Cultura Negra de Santa Catarina,  homenageando Antonieta de Barros. 

O projeto Afro Power Ubuntu tem como objetivo focar em aspectos que envolvem o empoderamento de meninas e meninos negros na cidade de Florianópolis. A ideia é que, durante a pandemia, através de fotos e vídeos, seja possível enaltecer a estética negra, tendo como referência a pluralidade de culturas africanas e afro-brasileiras. 

O projeto surgiu na intenção de utilizar as mídias e a importância de valorizar a estética negra como caminhos para a luta contra o racismo. O convite é feito para mulheres, homens e adolescentes para falarem sobre os temas abordados, como tranças, transição capilar e outras estéticas negras. A intenção é que, depois da quarentena, se possa atuar nas escolas e em diferentes espaços propondo rodas de conversas, eventos e encontros.

Além disso, o projeto considera que a estética também é música, corpo, entre outras manifestações africanas e afro-brasileiras, e surge com o anseio de valorizar nossas estéticas, contribuindo também para proposição de políticas educacionais que reconheçam esses temas como centrais nas práticas pedagógicas. 

Por fim, é preciso pensar também “nas consequências desse cenário mundial e como impacta na vida das mulheres negras, e em sua resistência contra o vigente racismo estrutural, a violência e pelo bem viver” (CANÁRIO, 2020).

Essas organizações e seus trabalhos, antes e durante a pandemia, têm como intenção discutir e refletir sobre uma proposta de alteração de um cenário que inviabiliza discussões sobre as histórias, memórias e narrativas de mulheres negras em Florianópolis, além dos modos de ser, estar e pensar o mundo. Elas convidam também a todas, todos e todes para serem antirracistas. 

Referências: 

ALMEIDA, Silvio. Racismo Estrutural. Brasil: Pólen, 2019.

DAMASCENO, Daniela dos Santos Tradição Oral, Memória e Narrativa: Considerações sobre o Velho Kaitamba em os Estandartes, 2019, Salvador. Anais XV Enecult, Salvador: Anais, 2019.

RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual Antirracista. 1.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

ABIB, Sara Abreu da Mata; MACHADO, Pedro Rodolpho Jungers. CORPO, ANCESTRALIDADE E AFRICANIDADE: por uma educação libertadora no jogo da capoeira angola. Revista Eletrônica de Culturas e Educação, Brasil, v. 4, n. 2, p. 1-16, nov. 2011.

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Polen, 2019.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.

*Carol Lima de Carvalho é Doutoranda em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Professora de História em Florianópolis e Vice-Presidente da Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros (AMAB).

Esse artigo foi publicado originalmente na Revista Valente, do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de SC (Sinjusc).  

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