Centenas de pessoas se reuniram na tarde deste domingo (7), em frente à catedral de Florianópolis, para o ato Contra o Genocídio do Povo Negro. O protesto integrou um movimento internacional, eclodido com o assassinato de George Floyd enforcado por um policial estadunidense diante das câmeras. Em Florianópolis, a criminalização e o genocídio dos moradores dos morros, majoritariamente negros, pela polícia também foram denunciados. No Brasil duas mortes recentes também dão nomes à indignação, a do menino Miguel de cinco anos, que caiu de um prédio em Recife por negligência da empregadora da mãe dele, uma trabalhadora doméstica. E de João Pedro de 14 anos, no Rio de Janeiro, morto dentro de casa em uma ação da polícia federal que disparou 70 tiros de fuzil. Esses são nomes que simbolizam a violência pelo Estado e sociedade contra a população negra, mas a lista é grande: a grande maioria das 60 mil vítimas de mortes violentas ao ano no Brasil é homem, jovem e negro.  

Acompanhe a cobertura da marcha pelo Portal Catarinas:

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Da catedral as/os manifestantes seguiram por um trajeto de mais de cinco quilômetros, em duas horas de marcha. Uma parada para falas das/os organizadoras/es do protesto ocorreu na entrada do Morro do Mocotó, comunidade que tem sofrido violência policial com ainda mais intensidade neste período de pandemia quando o mundo trava uma luta pela vida. Agressão, humilhação e morte têm sido a resposta da Polícia Militar de Santa Catarina, segundo denunciaram líderes da comunidade. 

 

Foto: @OdaraCris

Em 10 de abril, Lucas Pereira da Silva, de 21 anos, e Éverton da Rosa Luz, de 22, morreram pelas mãos da polícia em uma ação, que segundo moradores, se tratou de execução. Os assassinatos geraram revolta na comunidade e protestos de denúncia. De acordo com uma das moradoras, um memorial em que cruzes foram fincadas para lembrar as vítimas recentes de violência policial foi destruído pela polícia. “Tive a frente das manifestações que fizemos contra o genocídio dos nossos meninos do Morro. Convido vocês para uma marcha no dia 12, quando faz dois meses do assassinato deles. A polícia não soube respeitar o nosso luto como família, morador. A gente colocou cruzes simbolizando os nossos mortos e a polícia veio aqui e arrancou nosso santuário dos nossos meninos”, relatou uma moradora. 

Foto: @OdaraCris

Os números oficiais divulgado semanalmente pela Secretaria de Segurança Pública de SC endossam a denúncia. De janeiro a maio de 2020 houve um aumento de 40% no número de mortes pela polícia no estado, em relação ao mesmo período de 2010, 54 contra 38. Por isso, uma das principais reivindicações do protesto é a desmilitarização da polícia que age como se estivesse em guerra permanente contra essa população. Outras comunidades, como o Monte Cristo, também tem denunciado esse tipo de violência.

“Estamos aqui no pé do Morro do Mocotó, todos aqui acompanharam chacina, o genocídio que essa população está sofrendo. A polícia entra e acha que é dona. Então quem criticou o nosso ato dizendo que não era legítimo que era maioria branca que estava construindo. E para nós esquerda, enquanto a pauta não for racial centralizada não vai haver mudança. Somos metade da população, a pauta racial é central: quem mais morre é a gente, quem é mais criminalizada somos nós. Esquerda acorda!”, afirmou Chaiane Guterres do Coletivo Negro Magali e da Frente da Juventudade Negra Anticapitalista (Frejuna). 

Foto: @OdaraCris

Praticamente todas as pessoas usaram máscaras no ato e durante todo o trajeto as/os organizadoras/es limpavam as mãos e microfone com álcool. Pessoas negras estão morrendo por Covid-19 em maior proporção do que brancas, por isso entre as reivindicações do ato estão a disponibilização de teste de Covid-19 para as periferias da cidade. As organizações que construíram o ato ponderaram sobre a preocupação com a contaminação, mas diante das violências e negligências direcionadas à população negra não foi possível adiar.

Uma luta pela vida
“Tentaram desmobilizar a nossa luta, dizendo que a gente iria se expor ao vírus, mas a gente está lutando justamente por vida. As mulheres negras estão cansadas de perder. Eles tiraram nossos filhos seja pelo vírus ou bala perdida que sempre encontra os nossos corpos, tiraram nossa moradia digna, nossas condições de trabalho. O capitalismo nos sangra todos os dias e o coronavírus não suaviza isso, muito pelo contrário ele escancara todas as nossas feridas. O fascismo está se levantando no nosso país, perdemos tudo, não temos trabalho. A primeira morte no nosso país foi de uma trabalhadora doméstica que continuou trabalhando porque a patroa não podia lavar a própria louça. É um absurdo. Não é essencial trabalhadora doméstica lavar roupa de branco. Se a gente não lutar, não vamos sobreviver, seja por Covid-19 na filha do hospital público ou por bala perdida dentro de casa”, discursou Thais Furtado do coletivo de mulheres Olga Benário.

Foto: @OdaraCris

O “Fora Bolsoraro e Mourão” também foi bandeira presente em durante toda a manifestação. “O cenário de crise sanitária, política e econômica que se escancara nessa pandemia exige que, mesmo em uma situação tão delicada, de necessário isolamento social, nos lancemos às ruas para contrapor essa escalada golpista e fascista do governo e defender os direitos básicos de nossa gente à saúde, isolamento e renda garantidos, testes de COVID-19 para todos o direito à vida digna”, informaram as/os organizadoras/es.

Foto: @OdaraCris

Ao final do ato, organizado majoritariamente por coletivos e organizações da juventude negra, houve apresentação cultural de rappers que denunciaram o racismo e a omissão da sociedade brasileira em relação à perpetuação do genocídio da população negra.

Foto: Alice Sima

“Essa é uma iniciativa juventude negra da cidade em para pautar, centralizar a questão dos nossos irmãos, da nossa família, porque neste é o que está em jogo, porque quem mais sofre é a população pobre e negra. Estamos fazendo uma articulação entre as populações negras e das comunidades para ficarmos mais fortes e organizados. Não podemos estar separados, enquanto o governo federal segue com o plano de nos matar. Precisamos de um projeto de sociedade que coloque a vida da população periférica e negra no centro do debate, senão nada vai mudar neste país”, avaliou Alicia Edwirges do Coletivo Minervino de Oliveira.

 

 

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