Elas eram alunas de Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) quando se uniram no Coletivo de Pesquisa Teatral Feminista, em 2010, para a criação de um espetáculo que abordasse as faces do feminismo contemporâneo. Depois de dois anos, criaram a (Em) Companhia de mulheres, formada pelas atrizes Meire Silva, Drica Santos e Priscila Mesquita e a produtora Tatiana Lee. Atualmente, levam ao palco na peça Boneca de Pano a violência doméstica, o casamento, a maternidade e suas implicações como o aborto e a violência obstétrica. “Nossa proposta é questionar e reavaliar comportamentos para romper com os estereótipos machistas e sexistas perpetuados pela sociedade patriarcal”, explica Meire. Em entrevista, a atriz Meire Silva conta sobre o trabalho diferenciado que questiona as representações tradicionais dadas às mulheres no teatro canônico, nos meios de comunicação de massa e em diversos âmbitos sociais.

Como surgiu a ideia de criar uma companhia de teatro formada somente por mulheres?
Meire Silva: A ideia de reunir mulheres para criar um espetáculo feminista foi proposta na pesquisa de mestrado em Teatro de Priscila Mesquita, facilitada pela orientadora Maria Brigida de Miranda, que reuniu suas duas outras orientandas, eu e Lisa Brito para que juntas coordenássemos os trabalhos práticos. Brigida também reuniu neste grupo as alunas que faziam parte do grupo de estudos “Teatro e Gênero” (UDESC). Em 2012, quando finalizadas as pesquisas de mestrado, resolvemos dar continuidade ao trabalho, com apenas duas integrantes, e criar um novo espetáculo, para o qual convidamos a atriz Drica Santos a se integrar à companhia.

Qual o posicionamento da companhia ao adotar o feminismo?
Meire Silva: (Em) Companhia de Mulheres coloca em cena questões referentes às mulheres na sociedade atual, evidenciando a necessidade e urgência de enfrentarmos e superarmos velhos e novos desafios. Acreditamos na arte teatral como um meio importante para discutir as questões referentes às mulheres, as quais repercutem em variados espaços da organização social, sejam públicos ou privados. Não temos a intenção de perpetuar o sexismo e sim criar espaço para a voz, ações e legitimidade da mulher tanto na sociedade quanto na arte. Os homens que se identificam com a causa e lutam por uma sociedade mais justa e igualitária são bem-vindos. Desde o início já contamos com a colaboração de vários representantes do sexo masculino, em diferentes atividades, como fotografia, filmagem, produção, iluminação, trilha sonora e cenografia.

O espetáculo feminista “Boneca de Pano foi apresentado recentemente no Sesc Prainha, em Florianópolis, integrando a campanha Março é Delas. Como surgiu a ideia de criar o espetáculo?
Meire Silva: A criação, concepção e atuação no projeto “Boneca de Pano”, tem como base a prática devisedtheatre, na qual o texto e o espetáculo são criados em ensaios, a partir de estímulos variados. É a segunda montagem da (Em) Companhia de Mulheres e teve sua estreia em 2013. A inspiração para a construção da peça veio de notícias e matérias de jornal, da Lei Maria da Penha e das experiências das atrizes.

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De que forma o espetáculo aborda a questão das mulheres?
Meire Silva: O espetáculo Boneca de Pano Livre é uma adaptação do texto “Abbiamo tutte la stessa storia” (1977), de Dario Fo e Franca Rame, e tem seu texto dividido em três monólogos que se complementam, apresentando a transformação da mulher no decorrer da vida. Três atrizes compartilham as diferentes fases de uma mulher, em uma encenação que traz à tona questões como o aborto, a violência e o sexismo. A metáfora da “Boneca de Pano” perpassa a fala das personagens que, em devaneios, fazem saltar, da esfera privada para a pública, as experiências das mulheres e atrizes num misto de denúncia e confissão.

Como são os debates gerados depois da peça? Qual a reação do público?
Meire Silva: Preferimos utilizar o termo diálogos no lugar de debate, pois parece criar uma atmosfera mais propícia ao que realmente queremos. Estes são sempre surpreendentes, usando o espaço/tempo de discussão que foi aberto como assembleia, após as apresentações teatrais, o público expõe seus questionamentos, suas experiências, suas indignações, inquietações e anseios por mudanças de comportamento. Na experiência que tivemos com educandxs e educadorxs da rede pública de ensino em Florianópolis e Araranguá, percebemos jovens desesejosxs e carentes deste espaço de diálogo, para que possam trocar suas experiências com pessoas de diferentes faixas etárias, e com experiências e pontos de vista diferentes. E esse diálogo, ele é propício para instigar reflexões, pois ouvimos alguns falarem: “Eu nunca tinha pensado sobre isso”, ou então “eu nunca tinha pensado desse ponto de vista”. 

Que outros espetáculos vocês já desenvolveram sobre o tema?
Meire Silva: Entre 2010 e 2011, como parte das pesquisas de mestrado, trabalhamos na criação do espetáculo feminista Jardim de Joana, com dramaturgia e autoria do próprio coletivo. Neste trabalho abordamos a temática do casamento homoafetivo entre mulheres e suas implicações legais e sociais dentro de uma sociedade regida por uma política heterossexual.

Como você analisa a participação/representatividade das mulheres nas artes, especialmente no teatro?
Meire Silva: A (re) definição do papel da mulher na sociedade a coloca como sujeito atuante em busca de sua autonomia, e assim passa a ser revista a sua própria representatividade na cena, na história e na crítica teatral, um modo de desafiar a objetificação e a colocar como sujeito ativo e histórico. Para o entendimento da noção de sujeito pode-se verificar a afirmação de Sue-Ellen Case (1988) ao discutir a poética do teatro feminista, que a autora trata como uma ‘nova poética‘ teatral. Importante para as feministas que buscam um espaço representativo para as mulheres, que irá apontar a aculturação do gênero promovida através do quadro representacional e das opressões da ideologia dominante, as diferenças entre o teatro de mulheres e o teatro feminista não podem ser ignoradas, mas podem ser harmonizadas se houver reconciliação na amplitude da própria definição de ambos os termos.

Santa Catarina tem aceitado essa temática?
Meire Silva: Santa Catarina é o quinto estado do país com maior índice de violências e estupros, dado que nos apresenta o quanto ainda temos que trabalhar/lutar por uma sociedade mais justa e igualitária. As políticas públicas de cultura de nosso estado estão negligenciando possibilidades de ações culturais em geral. Quando assumimos um posicionamento político feminista no teatro isso tende a ser mais complexo e com menos oportunidades na concorrência em editais e pautas em espaços públicos teatrais em geral. Mas estamos dispostas a continuarmos íntegras com nossos ideais e seguirmos com nossas ações, pois as pessoas que compõem nosso público nos dão respaldo sobre a importância de discutirmos em assembleia estes temas que dizem respeito à sociedade.

Quais os novos projetos da companhia?
Meire Silva: Estamos realizando uma pesquisa sobre a presença e contribuições das mulheres nas ciências e nas tecnologias, um projeto contemplado no edital “Elas nas exatas”, organizado pelo Fundo de Investimento Social Elas em 2015. O mesmo terá estreia em agosto e será primeiramente direcionado a educandxs do ensino médio de escolas públicas de Florianópolis. Na sequência será aberto para o público em geral

Como vocês se veem no futuro?
Meire Silva: Desejamos contribuir com arte teatral e com uma sociedade mais justa. Pretendemos seguir com o nosso trabalho, criar novos espetáculos, agregar mais pessoas no coletivo. Alcançar uma quantidade de público cada vez maior e ter espaço de visibilidade e oportunidades para o desenvolvimento da companhia.

Que contribuição a arte pode dar às lutas sociais, étnicas e de gênero, como o feminismo?
Meire Silva: O coletivo busca na contemporaneidade, verificar seus desafios e encontrar estratégias a partir da arte teatral, como viés de educação artística e socioeducativa, para viabilizar diálogos que promovam reflexões e transformações nas estruturas de nossa organização social, tendo por foco a equidade de gênero, etnia e classe social. Propomos assim, com a nossa arte, chamar a sociedade para refletirmos e agirmos juntos para melhorar a condição da vida humana. Pois o que se refere à mulher, também diz respeito a todxs na sociedade.

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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