Documentário mostra realidades de mulheres vítimas de violência na pandemia
“Eu Estou Aqui: A violência contra a mulher no período de pandemia” foi realizado como Trabalho de Conclusão de Curso e premiado no Expocom Sul 2021.
No Dia Internacional da Eliminação da Violência contra a Mulher, 25 de novembro, a jornalista Ana Laura Baldo lança o documentário “Eu Estou Aqui: A violência contra a mulher no período de pandemia”. O curta apresenta as histórias de duas vítimas de violência, além dos relatos de especialistas. O documentário estará disponível a partir das 12 horas no YouTube.
O documentário é resultado do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Baldo defendido em 2020. A escolha pelo tema se deu pelo fato da então estudante ter acompanhado durante toda a sua graduação os números de violência de gênero, e adaptando o seu ex-projeto sobre o feminicídio em Santa Catarina para a realidade em que o país se encontrava em março de 2020, com o crescente aumento da violência doméstica no Brasil.
A jornalista relata que o documentário foi produzido porque ela entende que a sociedade precisa de alternativas de mudança e conscientização sobre a violência contra a mulher.
“É preciso oportunizar o debate desta temática em todos os espaços, contribuindo para a desnaturalização da cultura machista, patriarcal e violenta que assola a vida das mulheres todos os dias. Eu entendo que levar este assunto até as comunidades, escolas e espaços de debate, pelo audiovisual, é uma das formas de contribuir com um mundo mais justo, igualitário e sem violências”, diz.
No estado de Santa Catarina, os números de feminicídio aumentaram nos últimos anos. Entre 2017 a 2018 foram 94 mortes de mulheres pela questão de gênero, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado em 2019. Já no ano de 2020, foram contabilizados entre os dias 01 de janeiro a 09 de novembro, 46 feminicídios.
Sobre o documentário
O documentário foi gravado durante o período de pandemia, por um aparelho celular e chamadas de vídeo via aplicativo Zoom e Whatsapp. Naquele momento, o contato físico não era recomendado. O audiovisual, que é experimental, foca no depoimento de duas vítimas de violência, no filme retratadas como Celeste e Leandra.
É o primeiro documentário realizado pela jornalista e venceu o Congresso de Comunicação Inter Regional das universidades brasileiras, o Expocom Sul 2021, além de ter sido selecionado para a Mostra não competitiva FACINEBC.
Conforme Ana Laura Baldo, o curta foi realizado com o objetivo de contribuir com a sociedade e somar na luta pela erradicação da violência contra a mulher, além de somar na luta pela efetivação das políticas de proteção às vítimas, bem como o trabalho das delegacias em assegurar a proteção a elas.
A jornalista conta que desde o momento que entrou na universidade, já sabia que o seu TCC seria um documentário. “O que eu não esperava era que justo no meu ano de projeto, nós iríamos enfrentar uma pandemia. Eu precisei mudar o projeto e foco do meu documentário, que antes era sobre o feminicídio em Santa Catarina, para violência contra a mulher no período de pandemia”, conta.
A mudança e adaptação do projeto aconteceu por conta do crescente número de violências que o país enfrentava nas primeiras semanas de pandemia. “Minha orientadora, Angélica Lüersen, me ajudou nesta construção. Depois de firmado o tema, eu parti para a nova pesquisa, na busca por construir um documentário sem sair de casa”, recorda.
O projeto foi realizado no auge da pandemia. “Não foi fácil, eu pensei em trancar a matéria diversas vezes. Primeiro pela dificuldade em conseguir fontes para conversar abertamente sobre a violência, porque tudo era muito recente. Depois por precisar encontrar, dentro de um apartamento, imagens que guiassem o meu filme”.
Mesmo com números expressivos de violência contra a mulher no estado catarinense, a busca por fontes foi desafiadora. Após uma longa jornada de pesquisa, duas mulheres vítimas de violência, fora de Santa Catarina, foram entrevistadas. “Eu consegui chegar até as vítimas por meio de indicação de uma ativista feminista, após contato pela conta de Instagram de um Conselho Municipal de proteção às mulheres”, explica Ana.
A edição é de Luiza Lobo. “O filme foi feito, em questão de captação de imagens, escrita de roteiro e edição, em um mês e meio e a Luiza foi parte fundamental desse processo. Eu mandei o roteiro para ela, nós montarmos o doc juntas e ela fez a edição. Foi uma loucura. Fizemos todo o processo online. Sem a Luiza o filme não teria acontecido”, destaca Baldo.
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Confira o trailer do documentário:
Violência contra a mulher e pandemia
A violência contra a mulher aumentou no período de pandemia. Conforme dados do Fórum de Segurança Pública, em 2020, em 12 estados brasileiros, os registros de feminicídio cresceram 22,2% e os homicídios de mulheres em 6%. A casa, lugar que deveria remeter a segurança e bem estar para a mulher, se tornou um local perigoso. Agredidas na maioria das vezes pelos próprios companheiros, a denúncia online foi a única forma de conseguir ajuda, porém, mesmo com a tecnologia, muitas vítimas não conseguiram o apoio necessário para se manter longe das agressões.
Em 2018, foram registrados 263.067 casos de lesão corporal dolosa contra a mulher. Já os registros de feminicídio corresponderam a 29,6% dos homicídios dolosos de mulheres. Isoladas, por conta da pandemia, no campo, em comunidades indígenas, ribeirinhas, ou mesmo na cidade, as mulheres foram obrigadas a manter silêncio, muitas vezes por medo de sofrerem represálias ainda maiores dos seus agressores.
Entre os anos de 2011 a 2019, o percentual de mulheres agredidas por seus companheiros ou ex-companheiros subiu de 13% para 37%, segundo dados da 8ª edição da Pesquisa Nacional sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Uma realidade triste, que mostra como a violência machista e patriarcal está enraizada na nossa sociedade.
Na luta incansável para garantir a proteção e os direitos das mulheres, foi criada, apenas no ano de 2006, a primeira lei de proteção à mulher. A implementação da Lei nº 11.340, conhecida como a Lei Maria Da Penha, foi sancionada no dia 7 de Agosto daquele ano, e até hoje salva e protege inúmeras mulheres pelo Brasil. Porém, ainda muitas vítimas não conseguem fazer o uso da lei, às vezes por não conseguirem fazer contato com a policía, outras por serem desacreditadas pela própria rede de atendimento.
O que ninguém esperava é que o mundo viveria, em 2020, uma pandemia, fato que obrigou milhares de pessoas a se isolarem dentro de suas próprias casas. Com essa nova realidade, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública 2020, os casos de violência contra a mulher aumentaram.
Jornalismo como forma de enfrentamento
Os dados sobre violência contra a mulher não são muito transparentes. Com este cenário, o jornalismo e os filmes se tornam necessários para realizar o enfrentamento dessas violências.
O Portal Catarinas realizou um levantamento sobre a violência contra a mulher no período da pandemia. Segundo o relatório, foram registrados 6.771 casos de violência doméstica em Santa Catarina, entre março e abril de 2020. Ainda conforme dados do levantamento e da Secretaria de Segurança Pública, em média, cinco catarinenses foram vítimas de agressores a cada hora durante esses dois meses.
Segundo dados divulgados pelo o Fórum de Segurança Pública, em 2020, a redução dos registros de violência contra a mulher nas delegacias parece não corresponder com a redução da violência contra meninas e mulheres.
Conforme os dados, em 12 estados brasileiros, os registros de feminicídio cresceram 22,2% no período de pandemia e os homicídios de mulheres tiveram aumento de 6%. O Ligue-180, Central Nacional de Atendimento à Mulher criada em 2005, viu crescer em 34% as denúncias em março e abril de 2020, quando comparado com o mesmo período de 2019.
Em entrevista ao Portal Catarinas, no mês de junho de 2020, a Delegada e Coordenadora Estadual das Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI), Patrícia Zimmermann, afirmou que os dados usados até 2019 não eram precisos, pois havia duplicidade entre eles.
Segundo a delegada, a mesma ocorrência registrada na Polícia Civil, muitas vezes era registrada na Polícia Militar. Uma observação realizada pelo Portal Catarinas, após o relato da delegada, foi que “diante desta falha na base de dados, estudos e pesquisas realizados em anos anteriores sobre a violência no estado podem se tornar inválidos”.
Baldo coloca que sua maior inspiração no cinema é Márcia Paraíso, que produziu longas metragens como Terra Cabocla e Sobre Sonhos e Liberdade. “Suas produções, que valorizam as lutas das trabalhadoras e trabalhadores, permeiam o meu trabalho e o que eu quero fazer no cinema. Minha militância me guiou até o ‘Eu estou aqui’, e quero seguir fazendo cinema, sempre na busca de contar histórias que valorizem as lutas feministas e das trabalhadoras”, finaliza.