Com direção de Cíntia Domit Bittar, o filme gravado em Florianópolis agora depende de recursos para fazer campanha de promoção em pré-evento.

Em tempos sombrios (e conservadores) como esses, boas notícias soam como esperança e resistência para a arte brasileira. O curta-metragem catarinense “Baile”, com direção de Cíntia Domit Bittar e produção de Ana Paula Mendes, está concorrendo a uma vaga no Oscar 2021. O anúncio dos indicados acontece no dia 15 de março.

O filme é uma produção da Novelo Filmes e foi viabilizado através de recursos do Prêmio Catarinense de Cinema em 2018. Desde a estreia em 2019, vem ganhando destaque em diversos festivais de cinema ao redor do mundo. “O filme participou de festivais importantes mesmo que nesse ano atípico, mesmo assim conseguimos fazer uma carreira boa, ganhamos melhor direção no Festival Internacional de Curtas do RJ, ficamos entre os dez favoritos do público na 30ª edição do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo (Kinoforum) e em março ganhamos como melhor curta em Cartagena”, conta Cíntia. 

A validação para disputar uma vaga no Oscar já é uma grande conquista em si. As obras audiovisuais só podem ser inscritas na Academia se ganharem o prêmio máximo em um dos 100 festivais de cinema com o selo Oscar Qualifying. Isso o ‘Baile’ tem, o filme foi premiado como melhor curta-metragem no 60º Festival Internacional de Cartagena de Índias, na Colômbia, em março de 2020.

Cena do curta “Baile”, dirigido por Cíntia Domit Bittar e produzido por Ana Paula Mendes. (Foto: Divulgação)

“Fizemos a inscrição e agora os membros da academia votam quem vai passar para as próximas etapas. É um processo difícil de realizar sem recursos porque as pessoas contratam assessoria, marketing, então fica mais difícil passar para as outras etapas se a gente não tem esse apoio”, conta Cíntia. 

A fim de potencializar as chances de o filme ser nomeado, seria preciso contratar assessoria de imprensa e marketing internacional direcionado e experiente com campanha para o Oscar e, de acordo com a equipe da Novelo Filmes, não há como arcar com esse custo em um momento tão delicado.

“Seria excelente termos auxílio do governo do estado e/ou da prefeitura para atingir esse objetivo, ainda mais levando-se em conta o que significaria para Santa Catarina e Florianópolis ter um filme emplacado no Oscar. Todavia sempre que procuramos auxílio para algo relacionado à difusão do Baile recebemos negativas, mesmo oferecendo contrapartida como oficinas e palestras”, desabafa a diretora.

Para piorar o cenário o programa de apoio à presença de realizadores brasileiros em eventos internacionais, da ANCINE, foi interrompido no governo Bolsonaro. Ao recorrer às esferas estadual e municipal, no entanto, Cíntia afirma que o pedido também foi negado.

Além de toda dificuldade em relação ao apoio do poder público brasileiro, cineastas brasileiros enfrentam outra dificuldade: o lobby do Oscar. Engana-se quem acha que estar qualificado ao Oscar basta, depois da inscrição, inicia-se uma corrida à estatueta que depende de promoção que envolve muitas cifras e politicagem.  

Lobby no Oscar

Para quem não sabe, emplacar no Oscar não depende só da qualidade do filme, mas sim de muito lobby, de quanto dinheiro os estúdios desembolsam para promover a obra, que também inclui levar os cineastas às festas da Academia. 

“A chance de chegar lá não é alta, a gente não tem esse poder para criar uma campanha porque o Oscar é como se fosse uma eleição, né? As pessoas votam e fazem muita campanha para os filmes para os membros da academia”, desabafa a diretora de “Baile”. 

Para se ter uma ideia, a equipe do longa brasileiro “Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou” de Bárbara Paz, também inscrito no Oscar 2021, está fazendo uma vakinha online para conseguir marcar presença nos eventos que antecedem a grande premiação.

Questionada se a cineasta pretende agir da mesma maneira que Bárbara Paz, Cíntia disse: “Não pretendemos fazer vakinha, pois a indicação não é algo certo de acontecer e sabemos da dificuldade financeira generalizada entre trabalhadoras e trabalhadores. Se fosse uma meta mais certeira, como a produção de uma obra ou a realização de alguma atividade, tudo bem, porém não é o caso”.

Em toda história do audiovisual brasileiro, foram poucos os que conseguiram marcar presença e vender o filme nos eventos pré Oscar. Como foi o caso da diretora Petra Costal, de ‘Democracia em Vertigem’, indicado ao Oscar como melhor documentário em 2020. Petra passou o ano de 2019 marcando presença em grandes festivais de cinema e fazendo muita social em coquetéis com a nata do cinema mundial.  

Em entrevista ao programa “Roda Viva”, na TV Cultura, o diretor Fernando Meirelles, contou sobre a longa caminhada que percorreu para persuadir os membros do Oscar que seu filme, “Dois Papas”, valia a pena estar entre os indicados na premiação do ano passado. Produtora dos longas de Petra e Fernando, a Netflix diz não divulgar quanto investe nesta parte, mas estima-se que estúdios e agências gastam em torno de $15 milhões de dólares (cerca de R$63 milhões). 

Baile e sua abordagem feminista e antirracista

As produções femininas ganham cada vez mais força no movimento audiovisual mundial. No Brasil, outros dois curtas dirigidos por mulheres estão concorrendo na categoria do Oscar junto ao Baile, são eles: “Carne”, de Camila Kater e “Umbrella”, de Helena Hilario e Mario Pece.

A abordagem dos filmes feitos por mulheres tendem a trazer questões sociais, políticas e culturais que afetam a população feminina. É o caso de “Baile” que traz uma narrativa feminista e antirracista onde aborda vários assuntos como a ocupação das mulheres na política e o papel do estado nos problemas que a princípio parecem individuais.

No curta, a protagonista Andreia, uma garota negra passa por um dia cheio de aprendizados capazes de transformar a trajetória dela. 

“Baile” tem como protagonista Andreia, uma garotinha negra que faz parte de uma família de mulheres. (Foto: Divulgação)

“O grande desafio foi abordar esses distintos assuntos em uma narrativa que fosse fluida. O Baile tem tido uma excelente resposta de todas as idades, tem sido bastante satisfatório pra gente. Claro que a indicação é importante, é o reconhecimento à trajetória do filme e a nossa trajetória. É uma pena que a gente esteja vivendo hoje um desprezo pelo o que é cultural, pelo o que é artístico por parte de muita gente do poder público, o que impede que a gente consiga aproveitar de fato as conquistas do cinema brasileiro e intensificá-las”, afirma Cíntia. 

Após a qualificação para o Oscar, a diretora decidiu liberar a exibição do curta para todo o público.   

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