Em meio às inúmeras reivindicações relativas à crise climática, o Brasil parou para comentar a agressão de José Luiz Datena (PSDB) a Pablo Marçal (PRTB) no debate realizado pela TV Cultura, no último domingo (15), para que os candidatos à prefeitura de São Paulo discutissem suas propostas. O episódio abre margem para outros vários debates.

Sugiro, então, colocarmos luz no trecho da fala de Pablo Marçal que antecedeu a violência de Datena: “você não é homem!”. No âmbito de uma série de provocações, esse foi o trecho da frase que culminou na agressão ao vivo, em rede nacional.

De acordo com o Censo 2022 do IBGE, o Brasil possui 6 milhões de mulheres a mais do que homens em sua população. Em 2022, 48,5% dos brasileiros eram homens.

Datena, agora candidato a prefeito da maior cidade do país, foi pré-candidato ao posto em 2015, mas desistiu. Novato na política, é um jornalista experiente, acostumado a tratar assuntos delicados nos programas que conduz há anos na televisão, saiu do sério no momento em que teve sua masculinidade questionada.

Poderíamos estar falando de uma confusão entre crianças na escola por conta de uma partida de futebol do recreio, mas trata-se de um indicativo, um dado que tem reflexos nefastos para as mulheres brasileiras.

Note que este texto não se volta a fazer um juízo de valor, mas a refletir o machismo estrutural que a afirmação “você não é homem” carrega, essa ideia de superioridade masculina que está intrínseca nos valores e discursos socialmente tolerados no Brasil.

O machismo estrutural gera uma discriminação que impacta diretamente na desigualdade de gênero.

Uma falácia que tem efeitos nos números relativos à violência contra a mulher, na falta de mulheres em posições de liderança nas empresas, no pouco acesso à tomada de decisão na vida política, na obstaculização à saúde sexual e aos direitos reprodutivos, no parco acesso à propriedade e aos recursos naturais, na desvalorização do trabalho de assistência e doméstico não remunerado, entre várias outras consequências  negativas.

Em um estudo sobre a repercussão pública do machismo estrutural, as pesquisadoras Luciane de Paula e Carolina Gomes Sant’ana, da Universidade Estadual Paulista, analisaram os discursos dos casos Robinho e Marcius Melhem, para verificar como as falas de violência contra a mulher se fortalecem. Os resultados confirmam que o reforço social naturaliza e incentiva atos de violência contra a mulher, que, de vítima, passa a algoz, e acirra desigualdades e violência de gênero.

O machismo estrutural contraria um direito fundamental – o Princípio da Igualdade de Gênero previsto no art. 5o, I da Constituição Federal Brasileira: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

Portanto, não se trata de uma bandeira política a ser carregada conforme as convicções de cada indivíduo, mas de um paradigma que deve orientar a atuação das empresas, a adoção de políticas públicas, a redação e a aplicação das leis no país.

O machismo estrutural permeia todas as camadas sociais, reduz a eficiência dos negócios, gera destruição de vidas e do meio ambiente. Tanto assim, que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5 da ONU diz respeito à equidade de gênero: “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.

A igualdade de direitos entre homens e mulheres é essencial para um presente socioambientalmente justo e para um futuro sustentável, com a manutenção da vida na Terra; alcançá-la passa por desnaturalizar discursos misóginos que reforçam o machismo estrutural.

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  • Luciana Ricci Salomoni

    Advogada e pesquisadora. Sócia-fundadora da Ricci Salomoni Sociedade de Advogados (RSLaw). Mestra em Meio Ambiente e Des...

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