Por um empoderamento que nos deixe viver
Sobre a sincronicidade do universo, ou talvez o meu enfoque nas mulheres negras, atinando-me para os últimos fatos e as reflexões possíveis que as mesmas suscitaram, sobretudo em mim. A necessidade de compartilhar as inquietações não se sobrepõem à compreensão de ocupar os territórios conquistados como este, ainda que virtuais, para poder se fazer ouvir.
Em um dos artigos que compõem o livro Mulheres, Cultura e Política, Angela Davis (2017) traz a reflexão sobre o empoderamento das mulheres não ser efetivamente emancipatório se não der conta de abarcar as pautas dos desabrigados, da população encarcerada, do abolicionismo e todas as formas superação dos sistemas de opressão, ou seja, “erguer-nos enquanto subimos”, efetivamente. Fiquei me questionando: De que modo posso me compreender empoderada se há pessoas em situação de vulnerabilidade? Como posso acreditar nesse “empoderamento” se temo pela minha vida, pela vida dos meus e das minhas? E aí penso na Nina Simone quando afirma que “Liberdade é não ter medo”. Que mulheres empoderadas um país racista é capaz de produzir?
E sobre essa última questão, conclamo não somente as mulheres negras para refletir sobre isso, mas também as não negras. Como não se sentir impotente com o feminicídio e genocídio da população negra? Fica ecoando então as palavras:
O processo de empoderamento não pode ser definido de forma simplista de acordo com os interesses específicos de nossa própria classe. Precisamos aprender a erguer-nos enquanto subimos (DAVIS, 2017:20).
Com a morte de Marielles, Claúdias, DGs, Amarildos, Helens Moreiras, Veronicas, Luanas, jovens do Cabula e tantos outros casos brutais que ceifaram (e seguem ceifando) vidas, em sua grande maioria negras, a segurança no empoderamento fica, de certa forma, combalida. Quando o nosso empoderamento será capaz de preservar a vidas, sobretudo do povo preto?
O Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil, onde o número de homicídios de mulheres brancas cai de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013, queda de 9,8% no total de homicídios do período, e os homicídios de negras aumentam 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas, me faz questionar a eficácia do empoderamento que estamos pautando.
Quando seremos capazes de produzir redução do feminicídio de mulheres negras, minimamente, na mesma proporção que as mulheres brancas? Será que nosso feminismo é, de fato, abolicionista e emancipatório para todas?
Pensar movimentos emancipatórios sem ter no horizonte sem ter no horizonte o racismo que estrutura a sociedade brasileira é pactuar com o tombamento dos corpos negros. Pautar o feminicídio ou propor estratégias de redemocratização sem dar conta da abolição no país me parece frágil e coloca as pautas da população negra em segundo plano, mesmo quando somos maioria populacional.
Do mesmo modo, ignorar o genocídio da população negra que, vale ressaltar antecede o golpe de 2016, potencializa as estruturas cruéis que estão postas através da desonestidade racista do silêncio conivente que, na maioria das vezes, se traveste de desinformação e mau caratismo, inclusive dentro dos espaços que se denominam progressistas.
Se o movimento de empoderamento tem conseguido avançar para preservar ou melhorar a vida de um grupo étnico em detrimento de outros há algo errado nisso tudo. Se a população não branca se reivindica empoderada, mas tem sido abatida ferozmente de todas as formas (física, psíquica, epistemologicamente) do que nos vale esse rótulo?
Se likes e lacres em redes sociais não são capazes de nos preservar vivas, então precisamos repensar nossa atuação no front.