Por que nós, mulheres negras, ainda somos empurradas para a margem do afeto?
A solidão da mulher negra é estrutural. Ela é resultado direto de séculos de desumanização, de controle dos nossos corpos, de apagamento do nosso direito de ser amada com cuidado, desejo e respeito.
Mais um Dia dos Namorados passou. As redes sociais se encheram de declarações apaixonadas, casais sorridentes em jantares caros, presentes com laços vermelhos e promessas de amor eterno. Mas, para muitas mulheres negras, essa data não é só sobre o que falta no presente — é sobre o que nos foi negado historicamente.
É difícil dizer isso sem soar amarga, mas é necessário dizer com honestidade: o amor, da forma como ele é construído socialmente, muitas vezes não foi feito para nos incluir. Não o amor enquanto sentimento humano, mas o amor enquanto prática social, como escolha pública, como afeto que se assume, se celebra e se compartilha. É aí que moramos na ausência.
Enquanto mulher negra, não foram poucas as vezes em que me vi cercada por amigas incríveis — inteligentes, afetuosas, bem resolvidas — enfrentando um vazio afetivo que parecia não ter lógica. Mas tem.
A solidão da mulher negra é estrutural. Ela é resultado direto de séculos de desumanização, de controle dos nossos corpos, de apagamento do nosso direito de ser amada com cuidado, desejo e respeito.
Não é vitimismo dizer que homens negros muitas vezes preferem se relacionar com mulheres brancas. Também não é exagero afirmar que a mulher negra raramente é vista como parceira ideal para um relacionamento duradouro. Somos muitas vezes lidas como fortes demais, difíceis demais, independentes demais — como se amar uma mulher negra exigisse esforço extra, como se fosse um fardo.
Quando somos desejadas, é no sigilo. Quando somos escolhidas, muitas vezes é por conveniência, não por real afeto. E isso cansa. Cansa perceber que o mundo ainda olha para nós como quem diz: “você não é o tipo que se ama, você é o tipo que aguenta.”
Cansa viver em um país onde mulheres negras são maioria entre as chefes de família solo, mas minoria entre as casadas. Onde nossos corpos são fetichizados, mas nossos sentimentos, ignorados.
Neste mês dos namorados, escolho não romantizar o abandono. Escolho, sim, questionar: por que nós, mulheres negras, ainda somos empurradas para a margem do afeto? Por que precisamos nos contentar com migalhas, com amores mal resolvidos, com relacionamentos que nos diminuem?
Não estou dizendo que não há amor para nós. Existe! E quando acontece, é potente, é revolucionário. Mas não é naturalizado. Ele ainda é exceção, não regra. Ainda é conquista, não direito. E é exatamente por isso que precisamos falar — não para alimentar frustrações, mas para transformar a forma como o amor é construído socialmente.
Porque amar uma mulher negra, de verdade, é antes de tudo reconhecer sua humanidade. E amar a si mesma, como mulher negra, é um ato de resistência. Que esta reflexão sirva, ao menos, para nos lembrar disso: nós merecemos amor — inteiro, público, sem vergonha e sem concessões.