Por que as mulheres ainda não ocupam a política em Santa Catarina?
Quase um século após a conquista do voto feminino, as mulheres ainda não ocupam seu espaço na política de forma significativa; e a atribuição do trabalho de cuidado é um dos principais obstáculos.
Santa Catarina, o único estado brasileiro que tem nome de mulher e o pioneiro em eleger uma mulher negra para o cargo de deputada estadual, ainda carece de representatividade no âmbito da política institucional. Os dados apontam que 52% do eleitorado são mulheres. Ou seja, elas são a maior parte das votantes. Ainda assim, são minoria na disputa eleitoral, em que apenas 14% das candidaturas às prefeituras de Santa Catarina são formadas por mulheres.
Em 1932, sob a intensa pressão e luta do movimento sufragista, o Estado brasileiro permitiu o direito ao voto às mulheres, sendo um dos primeiros países da América Latina. Quase 100 anos depois, percebemos que este lugar ainda não nos pertence.
Os entraves traçados por uma sociedade constituída nos moldes do patriarcado nos destinam o lugar do privado, o doméstico, o cuidado. Enquanto aos homens pertence o espaço público, do discurso, da política. Isso não é novo: vêm da Grécia antiga. Herdamos tal herança. Quebrar com tais barreiras têm sido uma das bandeiras dos movimentos feministas. O lugar público é também nosso, sim!
Entre eles, a arena política. Como é plausível que mais da metade da população não seja representada nos parlamentos? E se a situação fosse invertida? O estado catarinense encontra-se na 26ª posição dos estados brasileiros em um ranking de mulheres nas assembleias legislativas estaduais. Nas eleições de 2024, apenas 15% dos municípios brasileiros têm mulheres concorrendo ao cargo majoritário. Florianópolis é uma das seis capitais que não têm candidatas à prefeitura.
Em termos de vereança, apenas 36% são mulheres. E, precisamos considerar que nos cargos proporcionais, há cotas. Por isso, muitas delas podem estar apenas “emprestando” seus nomes aos partidos para cumprir a lei, aquilo que chamamos de “candidaturas laranjas”. Talvez, muitas não estejam de fato concorrendo ao cargo.
Divisão sexual do trabalho; falta de apoio dos partidos; falta de recursos financeiros, de tempo; maternidade; o não cumprimento da lei de cotas, ou a falta de incentivo real; violência política de gênero, são alguns dos fatores para os baixos números. Números que nos permitem questionar a própria efetividade da democracia. É antidemocrático que mais da metade da população e do eleitorado, não tenha representação política. Quem está fazendo nossas leis? Quem está legislando por nossas causas?
Quando o recorte racial é feito, essa problemática se torna ainda maior. Depois de Antonieta de Barros, no legislativo estadual catarinense, outra mulher negra ocupou o cargo apenas 88 anos depois. Na Câmara Municipal de Florianópolis, Eulina Alves de Gouveia Marcellino foi a primeira vereadora considerada birracial a ocupar cargo como suplente, em 1951, segundo a pesquisadora Binah Ire. Levou mais de sete décadas para outra mulher negra ocupar a vereança.
É preciso refletir sobre os entraves para que as mulheres não ocupem as vagas e não concorram a candidaturas políticas. Entendemos que se trata de um reflexo da separação de papeis sociais para homens e mulheres, em que para mulheres são destinados os espaços e aos trabalhos referentes ao cuidado, sobretudo no âmbito doméstico e familiar, e para os homens os trabalhos se dão, principalmente, no espaço público.
Esse debate está longe de ser ultrapassado, mesmo que, em alguns momentos, pareça que já alcançamos a igualdade, a liberdade e a autonomia. Embora a Constituição Federal de 1988 assegure a igualdade entre homens e mulheres como um de seus princípios, essa igualdade é, na prática, apenas formal. Não vemos essa paridade nas relações pessoais, familiares e no trabalho. A exclusão das mulheres dos espaços de poder e decisão, somada às violências diárias que enfrentamos, evidencia que ainda estamos longe de viver em uma sociedade verdadeiramente igualitária.
É possível perceber que muitas mulheres ainda são impedidas de participação em esferas públicas políticas, de participar de formações, de associações, grupos e associações de bairros, da militância em geral, pois são as cuidadoras exclusivas das casas e das crianças. A divisão sexual do trabalho e do cuidado ainda nos impõe muitas barreiras. Vale lembrar que muitas atividades ligadas à política e ao seu engajamento são realizadas fora do horário comercial, o que dificulta ainda mais a participação de mulheres que são mães solo ou que não têm como compartilhar o cuidado das crianças.
Gerir a vida dos membros de sua família leva tempo e o trabalho do cuidado relegado quase que exclusivamente às mulheres as impede de participar de atividades políticas e de lazer (principalmente as que vivem em conjugalidade e/ou com filhos), o que naturaliza uma exclusão de muitos espaços, dentre eles os da formação e participação política.
O padrão de político no Brasil permanece fortemente associado a homens brancos de classe média, que recebem maior incentivo para ocupar esses espaços. Por isso precisamos rebater este único padrão de político, para que a política seja também o espaço da diversidade. Mesmo após quase um século desde que as mulheres conquistaram o direito ao voto no Brasil, ainda não ocupamos esse espaço de maneira significativa.
Por isso é preciso reivindicar que este lugar pertence às mulheres e todas nós devemos ocupá-los.
O trabalho desenvolvido pelo Portal Catarinas, ao divulgar candidaturas femininas e de pessoas LGBTQIAPN+, é fundamental para impulsionar essa mudança e ampliar a ocupação de espaços que não pertencem apenas aos homens. Ainda há quem acredite que apenas eles têm a capacidade e a oportunidade de ocupar tais posições, já que, ao escolher entre trabalho e responsabilidades familiares, costumam priorizar o trabalho, o que os torna vistos como mais assíduos e comprometidos.
Mas não é nada disso: mulheres como Marielle Franco, Erika Hilton, Luciana Carminatti, Carla Ayres e Vanessa da Rosa, entre outras, são exemplos de que é possível defender pautas de gênero e feministas, de forma competente e visando a transformação no fazer política. São exemplos de mulheres que exercem cargos políticos e são engajadas com a lutas das mulheres e feministas.
Por isso, é fundamental destacar: não buscamos uma representação feminina genérica, mas mulheres comprometidas com pautas feministas, que lutem pelos direitos das mulheres, promovam a igualdade de gênero e combatam as violências de gênero em todas as esferas.