Há frases que entram para a história não apenas pelo que dizem, mas por tudo o que enfrentam ao serem ditas. “Ninguém vai dizer qual é o meu lugar.” A declaração da ministra Marina Silva, diante de ataques misóginos no Senado Federal nesta semana, é uma dessas. Ela rompe o silêncio imposto, desestabiliza o pacto patriarcal que ainda estrutura a política brasileira e reverbera como um grito de autonomia, resistência e coragem de milhares de mulheres brasileiras.

Durante audiência na Comissão de Infraestrutura, Marina foi interrompida, desrespeitada, ironizada. Foi chamada de “deseducada” e mandada “se colocar no seu lugar”. Mas que lugar é esse que tanto se quer impor às mulheres? O da obediência? Da subalternidade? Do silêncio? O da servidão, mesmo quando à frente de uma pasta ministerial?

A cena não é nova. A violência política de gênero se reinventa, mas nunca desaparece. Ela humilha, deslegitima e tenta desacreditar a presença de mulheres no espaço público. É a mesma que silenciou Marielle Franco a balas. É a mesma que ameaça cotidianamente vereadoras, deputadas, ministras e ativistas. É a mesma que subestima candidatas, que sexualiza lideranças, que ataca mulheres trans e travestis em exercício de seus mandatos. E que se sente confortável em espaços institucionais, como o Senado, em pleno 2025.

Os ataques a Marina Silva não foram apenas à sua pessoa. Foram ataques à legitimidade das mulheres na política, especialmente das mulheres negras, das que vêm de territórios periféricos, das que ousam ocupar espaços historicamente negados. Quando a ministra responde com firmeza que não será submissa, ela não está apenas se defendendo — está defendendo todas nós.

E é por isso que essa frase — “ninguém vai dizer qual é o meu lugar” — deve ser entoada em uníssono. Essa frase precisa se transformar em norte pedagógico e princípio político. Ela deve inspirar políticas públicas de paridade, revisões curriculares que contemplem o protagonismo das mulheres na história, e compromissos institucionais com a equidade de gênero. Deve mover as rodas da justiça, sensibilizar decisões judiciais e provocar debates legislativos. 

Quando Marina afirma que ninguém determinará seu lugar, ela denuncia séculos de exclusão e ao mesmo tempo aponta o caminho: o da autodeterminação, da ocupação plena dos espaços por direito, por mérito, por vocação e por justiça.

Repeti-la é mais do que ato de solidariedade — é exercício de memória, resistência e construção de um futuro em que nenhuma mulher precisará se explicar por estar onde está.

Os homens que a atacaram, senadores da República, devem ser responsabilizados. Não apenas politicamente, mas também ética e juridicamente. A violência política de gênero é crime. E sua banalização é um sinal grave de que ainda temos muito a fazer para garantir que mulheres possam exercer sua cidadania em plenitude.

A Lei nº 14.192/2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, define essa prática como qualquer ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos das mulheres, inclusive no exercício de função pública. Além disso, a Lei prevê sanções administrativas, cíveis e penais para os agressores, configurando um importante marco normativo no combate à misoginia institucionalizada. 

A conduta dos parlamentares, ao desqualificarem publicamente a ministra por sua condição de mulher e ao tentarem silenciá-la, pode caracterizar violação direta à norma, ensejando apuração nos conselhos de ética, no Ministério Público e no próprio Poder Judiciário.

Afinal, a imunidade parlamentar não pode ser escudo para práticas misóginas, tampouco há liberdade de expressão que legitime a violência simbólica e institucional contra as mulheres.

A resposta a essa violência precisa ser o avanço. Precisamos de mais mulheres ministras, mais mulheres prefeitas, mais mulheres juízas, mais mulheres legislando, mais mulheres liderando. A democracia só é real se for para todas as pessoas. E isso exige que as instituições não apenas abram espaço para as mulheres, mas também as protejam. Porque ninguém, absolutamente ninguém, vai dizer qual é o nosso lugar.

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  • Melina Fachin

    Advogada, pós-doutora em democracia e direitos humanos no Centro para os Direitos Humanos e a Democracia da Universidad...

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