Uma plataforma de curso de preparação para concurso público divulgou em seu Instagram, na última segunda-feira (11), um vídeo para atrair mais alunos, no qual uma mulher branca é carregada por vários homens negros. A peça chamou a atenção por aludir a um estupro coletivo, e o caso foi noticiado em várias mídias e portais de notícias. Nesta quarta-feira (13), o Coletivo Feminista de Defensoras Públicas do Estado de São Paulo, repudiou e explicitou em nota, as violências de gênero e de raça contidas na propaganda.

“Consideramos o conteúdo da referida propaganda inaceitável, uma vez que consiste em conduta preconceituosa que ofende os direitos humanos das mulheres e das pessoas negras. Nesse sentido, elaboramos a Nota Pública em anexo, por entendermos que um posicionamento público de mulheres profissionais da área jurídica que explicite e repudie as opressões”, afirmaram em contato com o Portal Catarinas.

Após a repercussão negativa do caso, o perfil vinculado à prestadora de serviços educacionais ‘Estratégia Concursos’ apagou o post que fazia propaganda de curso de preparação para concurso público. Como explicam as defensoras na nota, a intenção da empresa com a peça comercial era passar a seguinte mensagem “se você não estudar vai sair prejudicado”.

Além da referência direta à violência sexual, o coletivo também denunciou na nota o caráter racista pela representação dos homens negros como os potenciais agressores. “[…] a representação como predadores sexuais em potencial reproduz a ideia de que só podem ser objeto da incidência das leis – criminalizantes – e não sujeitos da sua aplicação, desestimulando a sua participação e frequência aos cursos jurídicos, cujo acesso já é dificultado por inúmeras barreiras econômicas e sociais produzidas pelo racismo estrutural”.

Leia a nota:

 

NOTA PÚBLICA

A plataforma de concursos Estratégia Concursos divulgou em seu instagram, no dia 11/05/2020, imagem extremamente ofensiva.

Ao que tudo indica, a ideia da postagem é: “se você não estudar você vai sair prejudicado”. Para “ilustrar” tal resultado indesejado, fazem uma analogia com a questão da violência sexual (como se o estupro fosse uma coisa banal, não traumática) e procuram representá-la da forma mais violenta e terrível “imaginável”, relacionando a figura do homem negro, já associado pelo racismo a um estereótipo animalesco, selvagem e viril, à do agressor.

Dessa forma, a imagem e sua legenda reforçam a cultura do estupro (a qual normaliza crimes sexuais praticados contra mulheres) e reproduzem uma lógica de hiperssexualização do homem negro, que além de objetificante, à medida em que o reduz ao seu genital, o retrata como um agressor sexual em potencial, reforçando os mecanismos de criminalização racialmente seletivos que encarceram e matam a juventude negra.

O Coletivo de Mulheres Defensoras Públicas do Estado de São Paulo, preocupado com a mensagem que tal imagem pode passar, sobretudo aos potenciais ingressantes das carreiras jurídicas, vem externar seu total repúdio à conduta da Estratégia Concursos, por diminuir e ridicularizar a dor e sofrimento de mulheres vítimas de violência sexual e por reforçar e reproduzir o racismo sofrido por homens negros.

Destacamos que as discriminações de gênero e raça acima apontadas são violações de direitos humanos e atentam contra os fundamentos do Estado Democrático de Direito, sendo, portanto, incompatíveis com a formação jurídica que deve ser oferecida aos/às futuros/as profissionais do direito.

Ademais, postagens como essas contribuem para o isolamento e a exclusão das mulheres e das pessoas negras nos espaços de formação e trabalho jurídico.

Os preconceitos vêm revestidos com supostos tons jocosos, mas atuam para limitar a representação das mulheres, de modo a resgatar o estereótipo da mulher como uma “presa vulnerável”, além de insinuar que o problema da vítima é a falta de “retaguarda” e não o machismo que autoriza a violência, que pode vir de ações diretas ou indiretas, como a referida postagem. Pesquisa recente da USP analisou o sentimento de isolamento de mulheres durante a faculdade que são desconsideradas por seus colegas e participam menos das aulas, o que corrobora a necessidade de maior respeito nos espaços acadêmicos.

O isolamento também se opera contra as pessoas negras, sobretudo homens negros, pois a sua representação como predadores sexuais em potencial reproduz a ideia de que só podem ser objeto da incidência das leis – criminalizantes – e não sujeitos da sua aplicação, desestimulando a sua participação e frequência aos cursos jurídicos, cujo acesso já é dificultado por inúmeras barreiras econômicas e sociais produzidas pelo racismo estrutural.

Esperamos que a plataforma repense sua conduta e promova uma formação jurídica calcada em valores de igualdade e respeito mútuo.

 

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