Cantora e compositora, desde que se conhece por artista, a musicista paulistana Malu Magri que cresceu influenciada pela força da MPB, da Bossa Nova, do Samba e de vertentes latinoamericanas fez de insights originados de trocas interpessoais, composições corajosas que abordam sexualidade, política, anseios e desejos. Conversamos com a artista para lembrarmos o Dia da Visibilidade Lésbica, 29 de Agosto, curtindo uma nova canção.
Para Malu Magri, cada música possui uma fonte específica e um desenvolvimento que resplandece ao encontrar o público, que tem o poder de interpretá-la e ressignificá-la. Assim, transmite mais que mensagens encorajadoras musicadas, mas a empatia que desperta o empoderamento pessoal de cada uma.
Essa dose de relevância pode ser ouvida em seu primeiro EP “De Uma Para Outra”, fruto de um financiamento coletivo, e que leva o nome de uma de suas primeiras composições, com estreia do primeiro single e videoclipe no YouTube.
Em entrevista ao Catarinas, ela fala de música, da produção do clipe, do cenário político atual e sobre a sexualidade lésbica. “’De Uma Para Outra’ é a história das mulheres que vivem em mim, mas nem sempre. Mulheres que acham certas coisas injustas, que já viveram sob manipulação, que entenderam a liberdade do amor, e vivem genuinamente”, conta.
CATARINAS – Como nasceu a composição “De Uma Para Outra”?
A composição “De Uma Para Outra” nasceu da projeção sobre essa reflexão do que é se enxergar no outro, do que é projetar as angústias, o desespero, o desejo, questões internas no outro, sempre usando o outro como um espelho e não necessariamente de uma forma consciente. De qualquer forma tudo que a gente vê na pessoa que a gente se relaciona, seja qual for o tipo de relação, é sempre um espelho. A gente sempre enxerga no outro o que existe em nós. Eu entendi que isso existia e que isso acontecia muito comigo. Entendi alguns sentimentos meus, algumas emoções que estavam muito nebulosas. A partir dessa compreensão de que tudo que eu projetava era uma realidade que acontecia dentro de mim.
Eu vejo que em relacionamentos amorosos contemporâneos, sejam eles homoafetivos ou não, existe uma romantização. A monogamia traz pra a gente muitas vezes uma coisa de ciúmes, da posse. E também não. Se a gente sabe questionar isso e discutir de onde vem todos esses sentimentos a gente consegue lidar com eles, bater de frente, questionar.
“De Uma Para Outra” veio disso, veio exatamente da projeção, mas ela também veio de um questionamento de que o que eu projeto no outro não é realidade absoluta. O outro pode não ser exatamente o que eu vejo dele, por isso o espelho. A canção é muito mais uma construção do que as pessoas veem depois que ela vai para o mundo. Acaba se transformando em uma outra coisa. Então “De Uma Para Outra” é basicamente um diálogo do que eu crio com o que as pessoas enxergam dessa criatura.
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CATARINAS – E como foi a produção do clipe?
O clipe foi produzido pelas minhas produtoras, elas têm uma produtora que se chama Amaré Audiovisual. A Júlia Pessini e a Stephanie Frick produziram o clipe e o EP do início ao fim. A Ju entrou mais com a parte de fotografia, criação, audiovisual e a Stephanie ela veio com a parte de produção executiva. A produção do clipe foi muito louca porque a gente convidou uma pessoa de fora, que era amiga da Ju, que eu não conhecia, que é a Rafaela Ferrari, e nesse momento eu ainda estava morando fora do país, eu morava em Boston. A gente fez toda a produção do clipe a distância. O clipe aconteceu por conta de uma vaquinha que a gente colocou online, um financiamento coletivo, e só por conta disso a gente conseguiu colocar o clipe no ar. Foi um clipe feito dentro de uma comunidade que estava acreditando nesse trabalho do início ao fim. Depois a gente foi viajar, foi para Laranjeiras na casa de uma tia minha, e gravamos o clipe lá, em dois dias. Depois eu voltei para Boston. Foi uma loucura. Gravei as vozes do EP em quatro horas depois que eu cheguei no Brasil. No dia seguinte a gente foi para Laranjeiras gravar o clipe e depois de dois dias eu já estava voltando para Boston.
CATARINAS – Por que você decidiu abordar sexualidade e política em seu trabalho?
Eu decidi abordar sexualidade e política no meu trabalho porque não teria como não abordar. É uma coisa evidente na minha rotina, na minha vida. Sexualidade é uma discussão que eu me entrego para ela desde muito nova, eu nunca tive uma sexualidade escondida digamos, e eu sempre gostei muito de discutir sexualidade. Há uns anos eu me identificava como bissexual, mas depois que eu comecei a entender e me aprofundar um pouco mais na minha vivência de uma forma verdadeira eu me identifiquei com lésbica. É o que eu me vejo. Eu decidi abordar porque simplesmente surgiu, não foi uma coisa escolhida a dedo. Fui olhando para mim mesma e vendo o que eu sou. Isso transpareceu de uma forma muito de acordo com o que eu sou apenas. Não foi tipo “vamos falar sobre sexualidade”, não necessariamente vamos falar sobre mulher lésbica, mas quando surgiu a pauta de falar sobre sexualidade inevitavelmente isso já veio à tona.
Eu amo ser genuinamente lésbica e isso transpareceu no meu clipe de um jeito tão compreensível.
CATARINAS – Como você vê a questão lésbica no Brasil atual?
Eu vejo essa questão com muita repressão, eu acho que ainda existe uma repressão indiscutível, a gente tem muitas mortes que aconteceram por conta de relacionamentos homoafetivos, a gente tem opressão de diversos níveis, em trabalho, em relações familiares, em tudo. Eu acho que a gente evolui com o passar das gerações. De fato essa discussão está sendo cada vez mais abrangente, mas a gente ainda têm muitas problemáticas. Eu já esperava que meu clipe, que minha arte fosse de alguma forma atingir pessoas como eu, mulheres lésbicas, que tem um acesso tranquilo e discussões desse tipo de sexualidade, de gênero, mas eu quero muito que a música atinja pessoas fora dessa bolha. Eu acho que a gente tem enquanto artista uma obrigação de ficar cansado de conversar só com a bolha, porque as obras que são construídas tem a função de quebrar um pouco essas camadas. Eu quero que a minha música quebre a camada para chegar num lugar, numa casa heterossexual, famílias que convivem daquele jeito “tradicional”. A questão lésbica no Brasil eu não consigo ver na verdade, porque a minha bolha é muito paulistana. Eu anseio muito em dialogar cada vez mais com as comunidades lésbicas do Brasil inteiro, mas infelizmente eu só tenho uma visão da bolha lésbica paulistana.
Eu espero que a minha música faça com que eu tenha cada vez mais acesso a essas outras comunidades lésbicas no Brasil. É isso que eu espero, que a gente consiga quebrar os níveis de opressão cada vez mais.
CATARINAS – Nos deixe uma mensagem de amor nessa semana da visibilidade lésbica.
Eu espero que todas as lésbicas do Brasil estejam bem, se cuidando, consumindo a rede de apoio que elas têm, que isso é muito importante. Quando eu digo “rede de apoio” digo pessoas que fazem bem, pessoas que acolham, principalmente nesse momento difícil que a gente está passando. Nós somos seres sociais e a gente precisa de convívio em comunidade quando a gente é fora do padrão de alguma forma. Para entender que nada do que a gente faz é errado e tudo que a gente faz é genuíno. A gente ser quem a gente é, não existe força maior do que isso. Eu espero que todas as lésbicas estejam consumindo cada vez mais conteúdos que nos tire da zona de conforto, que nos tire do discurso que a gente já conhece. E que também elas estejam cada vez mais lésbicas, se isso for possível.
Amor, luta e resistência. Se você é lésbica você nasceu para representar essas três coisas, definitivamente.