Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a taxa de desemprego no Brasil subiu no último trimestre deste ano, chegando a 14,7% da população sem ocupação. São mais de 14,8 milhões de brasileiros sem emprego – um número alto, sem dúvida, mas com algumas características bem definidas.
Isso significa que, em um ano, quase 2 milhões (1,97 milhões, na verdade) perderam seus postos de trabalho para engrossar a fila dos desempregados e dos sem esperança. Quando olhamos esses dados de forma mais atenta, percebemos aspectos do mercado de trabalho e da sociedade brasileira que saltam aos olhos.
Entre as mulheres, por exemplo, o desemprego atingiu 17,9%, o maior percentual da série histórica da Pnad Contínua do IBGE. Entre os homens, o percentual foi de 12,2%. A parte mais marcante vem agora. Mais da metade dos brasileiros que procuraram emprego nos quatro últimos meses do ano passado eram do sexo feminino e, desse total, 60% se declaravam pretas ou pardas.
Ao longo dos anos, o que vemos é a manutenção de uma estrutura que rejeita a mão de obra feminina e, especialmente, se é preta ou parda. Nossa distorção é tão grande que, mesmo o país que tem 55,8% de sua população formada por negros, continua relegando a segundo plano essas pessoas, deixando-as sem acesso a bens e serviços por conta do racismo estrutural.
Mas esses dados não são novidade. A novidade é que continuam, pesquisa após pesquisa, ano a ano, se repetindo. Mulheres neste país são majoritariamente chefes de família, especialmente entre os mais vulneráveis. A pandemia apenas lançou luz sobre essas pessoas que levam suas vidas anonimamente.
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Depois de mais de um ano de pandemia, a favela não parou. Mas não foi por opção, foi por necessidade. Os moradores das comunidades deveriam ficar em casa, mas precisaram sair para buscar o sustento da família. Um contingente de padeiros, trabalhadores de supermercados, garis, entre outros tantos profissionais, também não pararam e, sem seu esforço, teriam feito a sociedade literalmente parar.
Nesses locais, o distanciamento praticamente inexiste porque moram em cômodos muitas vezes com mais pessoas. Portanto, passou da hora de estabelecer políticas reais de inclusão, buscando a equidade racial e de gênero. Mulheres como Aline Vargas Martins, diarista e moradora de Viamão, no Rio Grande do Sul, preta e mãe-solo de quatro filhos pequenos, não podem pagar uma conta que é de toda a sociedade que continua segregando, excluindo e protelando direitos sociais mais amplos e reais para todos.
Aline é o exemplo da mulher batalhadora, que foi considerada morta pelo sistema e ficou sem o auxílio emergencial. Após muita luta, conseguiu provar que estava viva e receber. Sem oportunidades de trabalho, recebe o auxílio de R$ 375 e precisa contar com a ajuda de terceiros para alimentar os filhos.
Que futuro podemos oferecer a essas crianças? Afastadas da escola por causa da pandemia e sem acesso fácil e garantido à educação a distância, são candidatos a perpetuar as diferenças que, geração após geração, se repetem em sua família. Até quando manteremos isso? Até quando seremos coniventes com a indiferença, a segregação e o preconceito?
Se quiser conhecer a história de Aline, veja a entrevista que fiz com ela em junho, neste link: https://youtu.be/X7ZiwCGFXZk.
Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das organizações que integram a campanha Renda Básica que Queremos.