O Instituto Internacional sobre Raça, Igualdade e Direitos Humanos (Raça e Igualdade) lançou o dossiê “Qual é a cor do invisível? A situação dos direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil”. Foi elaborado a partir da denúncia constante de diversas organizações da sociedade civil: “onde estão os dados sobre a população LGBTI?”.

Em resposta a falta de dado o documento pretende visibilizar o apagamento e os poucos esforços do Estado brasileiro em produzir e coletar os dados dessa população. É importante ressaltar que a ausência na produção de dados públicos sobre a situação da comunidade LGBTI negra no país se agrava no caso de pessoas trans. Com isso, ocorre também uma invisibilização das necessidades dessa parcela da comunidade, que vê as demandas das pessoas brancas serem traduzidas como as únicas de todo o movimento.

O documento analisa dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais que acompanhou a analisou casos de assassinatos contra travestis e transexuais em 2020. No primeiro semestre, houve um aumento de 39% nos casos de assassinatos de pessoas trans no Brasil em relação ao ano de 2019, considerado o mesmo período. Em 2019, foram 64 ocorrências nos seis primeiros meses. Em 2020, 89 casos. Em 2019, a ANTRA apontou o assassinato de 124 pessoas trans, sendo 121 travestis e mulheres transexuais e três homens trans. As pessoas mais jovens assassinadas tinham apenas 15 anos de idade. Foram três os casos, duas apedrejadas e uma espancada e enforcada, com sinais de violência sexual. Em 2018, a mais jovem tinha 17 anos.

“Se hoje a estimativa de vida das pessoas trans no Brasil é de 35 anos, é porque existe uma política de morte contra corpos que não são reconhecidos como legítimos, que assume uma agenda antitrans e contra os direitos da população LGBTI”, diz Bruna Benevides integrante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) de Fortaleza (CE).

Sobre a raça, a publicação da ANTRA traz um dado alarmante: 82% dos casos foram identificados como pessoas afrodescendentes. Esse dado revela o quanto a branquitude, associada à cisgeneridade, permite a morte de determinadas vidas, quando não correspondentes ao padrão cis-branco-heteronormativo. Dados do Dossiê Assassinatos e violência contra travestis e transexuais no Brasil em 2018.

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O dossiê “Qual é a cor do invisível? A situação dos direitos humanos da população LGBTI negra no Brasil” está dividido em sete capítulos, além de recomendações ao Estado brasileiro, o dossiê procura, através de discussões sobre assassinatos de pessoas LGBTI, violência policial, acesso à justiça, direito à saúde, à educação e ao trabalho, demonstrar como existe um quadro que, atravessado pelo racismo, é marcado por um padrão sistemático de violações de direitos humanos. Como resultado, esse racismo sistêmico desvela as desigualdades e reduz as possibilidades de uma vida digna para as pessoas LGBTI negras no país, fazendo com que o invisível, no Brasil, tenha cor: a cor da população negra.

Desse modo, o dossiê evidencia que num país estruturado pelo racismo como o Brasil, as discussões sobre as pessoas LGBTI são realizadas frequentemente como se elas não tivessem cor, forçando a população LGBTI negra a uma invisibilidade social, jurídica e política. Portanto, esse documento destina-se ao fortalecimento dos direitos LGBTI visando desconstruir práticas sociais alicerçadas numa engrenagem que violenta sistematicamente esses corpos.

“A gente está falando de um sistema que é desenhado pela branquitude para matar, oprimir e aniquilar nossos corpos”, relata Alessandra Ramos mulher trans negra integrante do Instituto Transformar Shélida Ayana, Rio de Janeiro (RJ).

A partir da perspectiva interseccional, o documento traz à luz como o racismo estrutural, atravessado pela LGBTIfobia, sustenta uma dinâmica de violência policial – atingindo mais pessoas negras, travestis transexuais; delegacias e postos de saúde são hostis com pessoas trans; dificulta o acesso à justiça –  o tratamento discriminatório desmotiva o registro de ocorrência de pessoas negras e travestis, sendo possível comprovar em alguns casos que são os homens gays brancos os que mais registram situações de violência; e, no campo do HIV/AIDS, cria um movimento semelhante ao que ocorre quanto aos assassinatos –  são as pessoas negras as que mais adoecem e morrem em decorrência da AIDS. 

De acordo com o documento existem lugares que a mídia não consegue ou não se interessa em enxergar e existem mortes que a mídia não consegue ou não se interessa em visibilizar. Em outras palavras, há mortes de pessoas LGBTI que são relegadas à invisibilidade e ao esquecimento. Cabe perguntar:

Qual é a cor da morte que sai no jornal? Qual é a cor daquela que não foi registrada? Qual é a cor do invisível?

O dossiê ressalta a urgência em se reconhecer todas as dimensões das hierarquias sociorraciais no Brasil e admitir que elas determinam não somente as condições de vida, como também as condições de morte. Há uma hierarquia entre a morte que é visível e a morte que não é. A cor da pele é o que separa as duas, intersecionada por atravessamentos como a pobreza, o gênero, a região onde ocorre e os diversos outros fatores de invisibilização hierárquica.

Em 2019, pela primeira vez, o Atlas da Violência incluiu uma parte dedicada à violência LGBTIfóbica. No entanto, a informação é precária. O Atlas analisou os dados sobre assassinatos de pessoas LGBTI a partir das denúncias registradas no Disque 100, ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH).

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