Hoje é 25 de outubro de 2018. Até este momento, embora tenha usado camisetas e compartilhado nas redes sociais textos e imagens que expressavam meu posicionamento político, em momento algum publiquei algo que tivesse redigido. Entrei em algumas discussões – geralmente encerradas ao perceber que o/a interlocutor/a agia com desrespeito, em regra ante a falta de argumentos consistentes – pessoalmente ou por meio de aplicativos. No entanto, quando se tratava de grandes grupos (virtuais ou não), em que prevalecia entendimento contrário ao meu, confesso que silenciei. Muito me doeu fazê-lo, não só porque – quem me conhece sabe – não costumo resistir a um bom debate, mas especialmente porque sentia que era, de certo modo, conivente com as violações de direitos que eram sustentadas e praticadas.
Minhas razões eram pragmáticas: não acreditava na possibilidade de, estando em grupo, os defensores dos preceitos bolsonarianos fossem passíveis de convencimento acerca daquilo em que acredito (e que, por acaso, também está na Constituição, em tratados internacionais etc.). É uma espécie de “doença psicogênica de massa”, em que o apoio de outras pessoas faz com que a cegueira quanto às idiossincrasias sustentadas seja ainda mais grave. Assim, pretendia poupar minhas forças para tratar com quem estivesse minimamente disposto a ouvir.
Hoje, arrependo-me. Não por acreditar que fosse capaz de transformar a crença daquelas pessoas. Mas porque é provável que o meu silêncio, assim como o de outras pessoas que tenham agido de modo semelhante, tenha feito com que se acreditasse que não existia resistência, especialmente em alguns grupos de que participo, que se consideram “socialmente diferenciados”, findando por concluir, de modo absurdamente preconceituoso e desconhecedor da realidade brasileira, que “apenas pobre vota no PT” (generalizando a oposição ao Bolsonaro a ser petista e vinculando a esquerda à pobreza, dentre tantas outras falácias sustentadas pela massa que hoje intensifica a violência e a supressão de direitos).
Era importante que se tivesse conhecimento de que existimos, somos muitos, somos fortes e estamos presentes nos mais diversos ambientes, ainda que fosse para eu receber as reiteradas e infundadas críticas do tipo “comunista de iphone” (afirmação, aliás, que demonstra ignorância – ou má-fé – quanto a aspectos históricos, sociais e econômicos).
Por isso, correndo o “risco” de aumentar o repúdio daquelas/es que vêm destilando seu ódio e registrando sua falta de argumento e sua dificuldade de interpretação de texto no meu perfil em redes sociais (o que certamente não é exclusividade minha), resolvi escrever algumas não tão breves linhas. É bem possível que entremos em um dos momentos mais sombrios da história brasileira, mas, ao menos, terei a certeza de que estou no lado certo dessa história.
Diante de tudo o que vem ocorrendo e da postura adotada por uma significativa parcela da população, não posso mais me restringir a meros compartilhamentos. É necessário bradar em defesa dos direitos e da democracia. Antes de qualquer coisa, é preciso deixar bem claro que, ao contrário do que os “incautos” (para não fazer presunções quanto a uma eventual má índole) sustentam, ninguém está defendendo a corrupção. Se há sua prática devidamente comprovada, deve haver a respectiva aplicação da lei.
O que não admito é a seletividade do Judiciário, a utilização de pesos diferentes a depender do partido a que pertence a/o suspeita/o, a naturalização do direcionamento do direito penal, agora (mais uma vez) para definir quem comanda o país. Mas, mesmo ignorando que isso exista e considerando, hipoteticamente, que a atuação policial e judicial tem ocorrido de forma isenta de interesses pessoais e partidários, não se está defendendo a corrupção.
A corrupção não é de um partido, mas de cada pessoa. E se deve acompanhar a atuação política, aferir sua legalidade, exigir probidade de cada representante popular, etc. Presumir a prática de ilícitos a partir da sua suposta prática pretérita por outras/os membros de um partido é, não apenas contrário ao que preceitua a própria legislação brasileira, mas uma grande burrice. Afinal, durante mais de dez anos o “paladino da moralidade” (e do caixa 2…) foi filiado ao PP, partido que aparece com bastante destaque na famigerada “lava-jato”. O candidato foi filiado, também, ao PDC, ao PPR, ao PPB, ao PTB, ao PFL (atual DEM), ao PSC e, apenas este ano, ao PSL. Entre aqueles que não foram fundidos e mudaram de nome no decorrer dos anos, todos são citados como destinatários de verbas ilícitas na referida operação.
E mais: se a intenção é julgar o candidato pelo partido, me conta o que o PSL tem de bom; fala um pouco sobre o que seus membros têm feito, sua ideologia, sua história. Diz aí se algum deles vem fazendo algo condizente com os tópicos constantes no espaço “em que acreditamos” da página digital do partido e quais os resultados da adoção dessas medidas. Estou certa de ouvir um silêncio eloquente.
É evidente que não ignoro que o PT cometeu erros, eventualmente seus filiados praticaram crimes; nada disso é corroborado pela escolha de Haddad e Manuela para a Presidência da República. Ninguém está votando na corrupção, muito menos na frequentemente alegada “roubalheira do PT” (aventada em conversas, redes sociais e até mesmo em discursos como se fosse “a peste”, além de se tratar de uma “verdade incontestável”, mas cujas provas são apenas referidas, nunca apresentadas).
Vota-se em um programa de governo mais consistente que o de Bolsonaro – que, na verdade, não parece passar de uma apresentação de power point. O plano de governo da figura mitológica é tão abstrato e contraditório que chego a me questionar se foi escrito dessa forma por má-fé ou pura incompetência. Estabelece, por exemplo, que o cidadão poderá usufruir de seus direitos caso cumpra a lei e os seus deveres, mencionando expressamente a sonegação de impostos como violação desse requisito. Bastante curioso, uma vez que Jair Bolsonaro já afirmou “sonegar tudo o que for possível”.
Apresenta os problemas e não traz possíveis soluções. Assim até eu faço um programa. Sustenta um combate aos privilégios, quando seu líder recebia auxílio-moradia (ah, mas tudo bem, é uma mixaria de pouco mais de quatro mil reais, todo brasileiro tem isso sobrando por aí…). Bolsonaro chegou a gastar em um mesmo mês mais de R$ 90 mil da cota para o exercício da atividade parlamentar (dezembro/2016), sendo inexplicáveis aproximados trinta por cento em serviço postal e outros trinta por cento em divulgação das suas atividades. Não me parece ser alguém que combata privilégios… Isso, para não falar da carona que a família toda pegou para ingressar na política.
Por outro lado, quando se confere um voto a Haddad e a Manu, acredita-se nas propostas feitas, e não em qualquer espécie de desvio do erário, que não é defendido pelo candidato. Em nenhum momento Haddad ou Manuela se pronunciam legitimando o uso do valor arrecadado com o pagamento de tributos pelo povo com finalidades particulares (uso, aliás, que um dos Bolsonaros filhotes fez para visitar amigos e namorada em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul – mas talvez o lazer de um Deputado seja de interesse público, para ficar de bom humor e estar mais disposto para “trabalhar”; lógica esta semelhante à do uso do auxílio-moradia pelo Bolsonaro pai para “pegar mulher”).
Já o candidato Bolsonaro, de modo absolutamente oposto, sustenta expressamente a eliminação de homossexuais, a extinção dos “vermelhos”, a segregação das/os negras/os – apenas para trazer algumas amostras. Mesmo assim, as pessoas concordam em colocar no poder alguém com esse posicionamento. Ou seja, é melhor dar poder a alguém que com certeza violará direitos do que a uma pessoa cujo partido tenha tido – supostamente – envolvimento com corrupção. Isso, mesmo que aquele que violará direitos também integre um partido que teria recebido verbas ilícitas. Curioso, não?
Fala-se muito na necessidade de defender os direitos, razão pela qual não se compreende a cabeça de qualquer jurista que cogite votar Bolsonaro (ou mesmo anular o voto). Quando se defendem os direitos fundamentais, muitas vezes em resposta os seguidores do “mito” afirmam que “direito fundamental de bandido é cadeia” e questionam acerca do direito das vítimas, afirmando enfaticamente que estimulo a prática de crimes.
Nesse ponto, é necessário fazer tantos esclarecimentos que não conseguiria terminar de escrever antes de chegar às eleições. Mas vou registrar ao menos aqueles mais básicos, pois me sentiria egoísta em não compartilhar conhecimento com pessoas que estão apenas repetindo frases de efeito, sem qualquer embasamento teórico ou fático. (a) O teu conceito de “bandido” é aquele que te parece mais conveniente.
Afinal, todas as agressões incentivadas e legitimadas pelo teu candidato não são por ti repudiadas nem ensejam a aplicação desse rótulo. (b) Independente da rotulação por quem quer seja, defendo os direitos fundamentais de todos, sem distinção – isso inclui os teus, eleitor/a do Bolsonaro, que não sairá ileso das consequências dessa eleição. (c) E, ao defender os direitos de todos, é evidente que não faço distinção em relação aos direitos das vítimas, ao contrário do que costumam sustentar.
Ocorre que, se parassem para ler duas páginas de um livro que não fosse do Olavo de Carvalho e refletissem efetivamente sobre “não ser um idiota”, perceberiam que a seletividade na defesa de direitos, inclusive com a segregação das/os indesejadas/os, só faz aumentar a violência e, portanto, a própria violação dos direitos de todas as pessoas (isso inclui os teus, caso não tenha ficado claro). Neste ponto, contenho-me para não escrever muito mais, mas, além de não ter espaço, acredito que não seria compreendida por quem tem mais necessidade desse conhecimento. (d) Quando se fala em defesa de direitos fundamentais, ninguém está falando do Lula, embora a ele, como a qualquer pessoa, também devam ser aplicados tais direitos.
Traz-se à tona a temática dos direitos fundamentais porque o teu candidato fala expressamente em mudar o número de Ministros do Supremo Tribunal Federal para ter maioria e poder direcionar suas decisões, porque o filho do teu candidato fala que bastariam um cabo e um soldado para derrubar essa mesma Corte, porque o teu candidato fala em calar quem se opõe à ideia de Estado que ele defende. Ou seja, fala-se em direitos fundamentais não para privilegiar ninguém, mas porque Jair Bolsonaro já anunciou inúmeras vezes que vai acabar com a democracia brasileira.
Feitos esses simplíssimos esclarecimentos, devo lembrar que nossa democracia é ainda incipiente, fruto de muita luta e muito sangue derramado – por mais clichê que pareça tal afirmação, parece-me que nunca é demais lembrar (na verdade, acho que é imprescindível). Aqueles que “subverteram a ordem” durante a ditadura (civil-)militar lutaram para que pudéssemos hoje continuar o combate, uma vez que estamos ainda muito longe de efetivar o Estado Democrático.
Aos poucos, avançamos em direção à pretendida igualdade. Demos alguns pequenos passos e estagnamos. Porque, de repente, alguém que se aproveita da descrença da população na política consegue se valer da falta de conhecimento generalizada para cooptar eleitores e acordar um monstro. De fato, um “gigante” acordou. Um gigante violento, preconceituoso, homofóbico, racista, machista, que estava adormecido enquanto desconhecia a existência de tantos outros iguais a si.
Então, nem mais estagnados estamos, mas caminhando para o passado. Nem se argua que existem mulheres, homossexuais, negros etc. que votam em Bolsonaro, porque qualquer pessoa que tenha honestidade intelectual sabe que não se trata apenas de gênero, cor da pele ou orientação sexual, mas de estruturas de poder. O fato de as pessoas mais afetadas pela possível eleição de um traste como esse afirmarem dar-lhe seus votos é mais uma demonstração de como estamos aquém da igualdade, de como é necessário o empoderamento e a adoção de diversas outras medidas de promoção de isonomia.
Afirmações como “não houve golpe em 1964, mas apenas movimento”, “na época da ditadura a coisa funcionava; não tinha corrupção nem violência”, “durante a ditadura só vagabundo era alvo do governo” são para mim tão esdrúxulas que deveriam ensejar tratamento psiquiátrico de quem as profere. Como não tenho nenhuma formação nesse sentido, limito-me a sugerir que busquem ajuda. Não acredito que alguém seja todo bom ou todo mau, mas que todos tenhamos bons e maus momentos e que nossos atos sejam fruto daquilo que nos é ensinado e apresentado. Não posso crer, portanto, que tais alegações sejam demonstração de uma maldade inerente à personalidade de cada pessoa que as sustente.
Tendo em vista que atualmente todas/os recebemos informações acerca da importância de, por exemplo, não torturar e de que todas as pessoas possam se manifestar (chega a ser vergonhoso ter que escrever isso), parece-me que a adoção do entendimento contrário só possa ser fruto de algum transtorno psiquiátrico ou mesmo de um déficit cognitivo. E esse raciocínio se aplica especialmente a autoridades tais como membros de Cortes que deveriam resguardar a Constituição, que só poderiam estar sofrendo alguma espécie de surto ao fazer afirmações desse cunho.
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E preciso lembrar algo que me parece tão óbvio, mas que tantas/os parecem não enxergar. O PT não acabou com a tua vida. O PT não quebrou o Brasil. As pessoas que costumam falar isso, curiosamente, durante todos os governos do PT, viajaram com muitíssima frequência, dentro do Brasil e para o exterior; trocaram diversas vezes de carro, que não podia sequer ser considerado popular; compraram imóveis para si, para parentes e para investimento; tiveram sempre o Motorola ou o Iphone lançado no ano; compraram jet skis, barcos e outros “brinquedos”; mantiveram funcionárias/os domésticas/os, jardineiras/os, cozinheiras/os; continuaram a colocar suas/eus filhas/os em escolas particulares e em cursinhos preparatórios.
A diferença foi que a empregada doméstica da madame passou a também possuir um celular; aquele primo do playboy que sempre foi muito pobre conseguiu comprar um carro; o porteiro do prédio passou a chegar de moto; a filha da cozinheira passou no vestibular e começou a cursar uma Universidade Federal; o zelador começou a visitar sua família em São Paulo de avião. Ou seja, a diferença diminuiu. E a classe média brasileira – que é tão bitolada que não enxerga que é massa de manobra e que será uma das primeiras a ser massacrada pelo sistema – se incomodou demais em ter que dividir o seu espaço “arduamente conquistado” (viva a meritocracia!) com aquela parcela da população que estava tão convenientemente separada. Passaram a chamar o aeroporto de rodoviária, a criticar a democratização das universidades, a reclamar que suas vagas eram “roubadas”.
Não sou rica nem de nenhuma família “tradicional” ou que tenha em algum momento ocupado qualquer tipo de espaço de poder em Santa Catarina ou mesmo em Florianópolis. Mas tenho noção de que minha situação sempre foi muito confortável e que isso favoreceu muito toda a minha trajetória. Se hoje sou quem sou, em todos os aspectos, não nego a importância do meu esforço (que foi e é muito grande), mas preciso valorar imensamente todas as condições favoráveis que me foram proporcionadas.
Estudei em colégio particular, ao qual sempre fui levada e buscada de carro; tive acesso a aulas de inglês, francês, espanhol, italiano e alemão, muitas delas particulares; fiz cursos de pintura, ballet e piano (não que eu leve jeito para qualquer um deles, mas me agregaram conhecimento inegável); no ano em que prestaria vestibular pude fazer aulas de química e biologia, matérias em que tinha certa dificuldade; em nenhuma oportunidade me preocupei que chegaria em casa e não teria o que comer; também nunca fiquei duas ou três horas no transporte coletivo para chegar ao meu destino; não precisei trabalhar enquanto criança ou adolescente para auxiliar no sustento da família (embora tenha ainda começado a trabalhar relativamente cedo, mas por opção); nunca deixei de dormir com medo de que minha casa fosse atingida com deslizamentos de terra ou com disparos de arma de fogo; não tomava banho gelado no inverno; não deixava de prestar atenção nas aulas porque era vítima de violência em casa nem porque via minha mãe sofrer esse tipo violência; não me preocupei que não teria material para determinado ano escolar, nem mesmo uniforme; sempre tive auxílio dos meus pais nos estudos, incansavelmente presentes. Nada disso é mérito meu. Absolutamente nada.
Nem sempre eu enxerguei isso. Até mesmo em face dos ambientes que frequentava, era muito fácil acreditar nos argumentos falaciosos apresentados. Fico muito feliz que podemos mudar de ideia, aprender, amadurecer. Atualmente, com acesso tão facilitado à internet, materiais excelentes publicados (é necessário e plenamente possível realizar um filtro) e informações reiteradas a respeito da importância de se promover a igualdade, só não enxerga quem não quer (ah, as conveniências…). Felizmente, tirei a venda dos olhos e hoje sou capaz de ver não apenas aquilo que me agrada. Outras/os não são capazes de assumir a mesma postura.
O PT tirou, então, determinadas pessoas da sua zona de conforto, fazendo com que passassem a dividir “seu” espaço com pobres, negras/os, índias/os, pessoas com deficiência etc. Foram obrigadas/os a fazer aquilo que sempre evitaram a qualquer custo: “misturar-se”. O fato de não se ter tirado nada dessas pessoas, mas apenas conferido direitos semelhantes (nem próximos de serem equivalentes) a outras, demonstra que é uma necessidade não só de ter, mas que “a/o outra/o” não tenha. Pensamento clássico de um país em que estratos sociais foram/são ensinados como a ebulição da água (e ai de quem ousar ensinar de modo distinto! mas falarei sobre isso adiante).
Por isso, reitero: o PT não acabou com a tua vida, o PT acabou com a tua exclusividade. O PT trouxe direitos a outras pessoas (e não estou aqui isentando os governos petistas de falhas, absolutamente não), alheias ao teu círculo de amizade. E tu és acostumado a ser o umbigo do mundo, a ter privilégios em vez de direitos, de modo que não conseguiste assimilar a situação. Te falta empatia e alteridade. Isso é difícil de ensinar por meio de um texto. Talvez sejam necessárias gerações para superar o ranço do colonialismo, do escravagismo e do conservadorismo.
É por isso que se costuma afirmar que “achava que só pobre, nordestino, beneficiado por bolsa-família votava no PT”. Talvez para essas pessoas seja mais fácil visualizar as mudanças no país. De fato, minha vida foi muito boa durante os governos do PT, mas não foi modificada como a daqueles que passaram a ter água para beber e cozinhar pela primeira vez, ou mesmo a ter o que comer todos os dias (parece algo óbvio, não? comer pelo menos uma vez por dia…). Isso não significa que eu não possa enxergar além dos meus interesses, isto é, que eu não seja capaz de encampar causas com as quais não me beneficio diretamente (e é lógico que o benefício é geral quando temos uma sociedade social e economicamente isonômica).
Passando a outro tópico muito discutido, devo deixar claro que todas as críticas lavradas quanto à educação, que teria sido “destruída” pelo PT (os argumentos costumam ser bastante abstratos, em síntese o PT destruiu tudo, mas não se diz como nem se apresentam dados concretos), são infundadas. Os números demonstram claramente que nunca se investiu tanto em educação e que os resultados condizem com tais investimentos. Não houve qualquer espécie de doutrinação nas escolas, apenas não houve censura, como durante o período ditatorial. Permitiu-se e até mesmo se incentivou a formação de um pensamento crítico das/os jovens, para que não reproduzissem/continuassem a reproduzir mecanicamente elogios ao Estado e ao Governo.
Começou-se a cogitar ensinar uma história em que os negros não figuram só como escravos (“como assim? pessoas negras existiam antes de serem escravizadas?!?”), em que Floriano Peixoto não é ídolo, em que os bandeirantes não figuram como corajosos desbravadores. Nesse contexto, também não existe a “ideologia de gênero” que supostamente seria imposta nas escolas; “lavagem cerebral” quem sofre é quem acredita em kit gay e tantas outras fake news, especialmente em se tratando de pessoas adultas e com acesso a inúmeros meios de confirmação das informações.
Pois bem. Como já mencionei, os governos do PT não foram perfeitos. Poderia tecer uma série de críticas – mas esta realmente não é minha intenção com este texto, por isso me restrinjo a esta ressalva. É importante, no entanto, saber que a corrupção não teve início com o PT, nem mesmo aumentou nessa época. A grande diferença é que nesse período não se impuseram empecilhos à investigação e ao processamento de fatos assim considerados (até mesmo em casos que talvez não se adequem à tipificação).
Portanto, se hoje há “lava-jatos” e fala-se em uma mudança no cenário nacional diante da aplicação do direito penal também a políticos (será mesmo?), é graças ao PT. É porque o PT “extinguiu” a figura do Engavetador-Geral da República (embora eu tenha percebido muitos engavetamentos, curiosamente favoráveis a outros partidos…). Conferiu-se aos órgãos de investigação e fiscalização poderes suficientes a não serem coagidos em sua atuação. Nunca se tinha investigado tanto. Nunca existiu a possibilidade de oferecer tantas denúncias. Portanto, estudem um pouquinho e concluam quem está promovendo a reiterada corrupção no país.
Já me estendi demais, mas hoje decidi que preciso falar tudo o que calei, sob pena de ser também culpada por eventual derrota no próximo domingo – não de Haddad e Manuela, mas do Brasil e de cada brasileira/o. Por isso, devo falar sobre o “inteligentíssimo” argumento de que vamos “virar uma Venezuela”. Durante treze anos e meio, o PT esteve no comando do país e em momento algum estivemos sequer perto de “virar uma Venezuela”. O que leva as pessoas a acreditar que agora seria diferente? Isso, considerando ainda que até então liderava, direta ou indiretamente, uma figura de liderança muito mais carismática, enquanto atualmente estarão no comando dois profissionais muito competentes, mas que não aparentam ter o potencial de arregimentar seguidores da mesma forma que Lula.
Em 2002, lembro-me como se fosse hoje de uma propaganda eleitoral em que Regina Duarte, com aquela expressão dela que é igual em todas as personagens que interpreta (olhar de cãozinho desamparado), dizia que tinha “medo”. Enfatizava “medo” umas 957 vezes, vinculando tudo a Lula e ao PT. Curiosamente, o PT, de 2003 a 2016, respeitou a democracia de modo irretocável – o que continua a fazer. Aliás, a Presidenta Dilma, mesmo tendo sofrido um golpe, saiu com muita dignidade do Palácio, demonstrando total respeito pelas instituições democráticas. Novamente, utiliza-se do “medo” para combater a candidatura que faz oposição à violência, à barbárie, à intolerância e à supressão de direitos. A mesma atriz surge para falar de “medo”. Medo do quê? Talvez que os direitos trabalhistas continuem a existir, que as mulheres continuem a votar, que as/os negras/os possam sentar em quaisquer lugares nos ônibus…
A economia também, certamente, não vai piorar (prefiro ser governada por um mestre em economia – para não falar nas outras diplomações – a ser governada por um especialista em paraquedismo; falava-se da falta de ensino formal de Lula, mas ele demonstrava ter muito mais conhecimento do que Bolsonaro, que demonstra ser um zero à esquerda em economia). Economistas do mundo todo, com as mais renomadas titulações, lançaram manifesto em favor de Haddad. Estariam todas/os erradas/os? Seria a realidade tão distinta do que se verificou durante os governos petistas? Qualquer insinuação não passa de especulação, em combate à proposta de país apresentada pelo partido.
Aproximando-me de encerrar meus apontamentos, consigno que, em mais de uma oportunidade, falou-se que as máscaras caíram nessas eleições, fazendo referência a quem seria “comunista” (mais uma generalização que demonstra falta de esforço ou de capacidade cognitiva – quem não defende Bolsonaro automaticamente é comunista… aliás, em que mundo o PT é comunista?).
Acho engraçado que se considere um defeito, que deva ficar por baixo da máscara, a defesa de direitos a todos, isto é, de que seja promovida a igualdade. Esclareço que o fato de não ter me manifestado em certas ocasiões não pode ser comparado ao uso de máscara, pois nunca simulei concordar com as excrescências da direita radical deste momento. Por outro lado, vi muitas pessoas que se dizem cristãs, fazem caridade (que, aliás, coloca quem doa em uma situação de superioridade…), se consideram a personificação da moralidade e da idoneidade agora admitindo que não querem pagar 13º, não querem que existam outros direitos trabalhistas, acham que a prisão deve servir como instrumento de segregação social, acreditam que homossexuais são pessoas diferentes e merecem tratamento, acham que o feminismo é coisa de gente suja que não tem mais o que fazer… Para essa finalidade, as eleições de 2018 foram ótimas. Vi quem é quem. Percebi quem coaduna com aquilo em que verdadeiramente acredito.
Sei que muitos votos em Bolsonaro estão sendo conferidos por pura falta de comprometimento, meramente aderindo à lógica de “votar contra o PT”, e, portanto, nem todos concordam com os preceitos bolsonarianos. Mas têm também responsabilidade, porque o mínimo que podemos fazer como cidadãos, especialmente com acesso a diversas informações de fontes distintas, é pesquisar e estar consciente das consequências da decisão tomada. Igualmente responsáveis são os que anulam o voto ou votam em branco, na medida em que sempre apoiam o candidato mais votado. Ademais, omitir-se em momentos de opressão é apoiar o opressor.
Meu candidato ideal não era Haddad, nem era o PT de hoje o partido que eu gostaria que ocupasse o poder. Mas aceitar ser representada por alguém que não é exatamente quem a gente deseja faz parte da democracia. E é justamente para que eu possa continuar a contribuir com a decisão que meu voto é 13. Sou Haddad. Sou Manuela.
Por fim, registro apenas mais uma constatação. Hoje, eu posso chamar Bolsonaro, Lula, Haddad, Alckmin ou quem eu quiser de ladrão, bandido, filho-do-puto. Dependendo do resultado das eleições, a partir do dia 1º de janeiro de 2019, não mais.
*Fernanda Mambrini é Defensora Pública do Estado de Santa Catarina, com atuação na área criminal. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007), especialista em Direito Penal e Processual Penal pela EPAMPSC/UNIVALI (2009), Mestre em Direito, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011) e Doutora em Direito pela mesma Universidade (2017). Diretora da Escola Nacional dos Defensores Públicos (ENADEP).