Por Paola Carvalho*.
A semana começou sob o impacto da foto de uma menina Yanomami desnutrida, deitada em uma rede, como capa de um dos principais jornais diários do Brasil. Divulgada por um dos missionários que conhecem a região, o registro revela o descaso com a população indígena, a total falta de recursos e a fome em sua versão mais cruel.
Vítima do descaso e, especialmente, da ausência de políticas públicas, sociais e sanitárias, a criança, com idade entre sete e oito anos, foi diagnosticada com malária, pneumonia, verminose e destruição. Ela foi internada em um hospital de Boa Vista somente cinco dias depois da foto ter sido tirada e divulgada.
A cena, que é chocante por si só, torna-se ainda mais impactante porque será cada vez mais frequente, se considerarmos que o país vive sua pior crise e os índices de fome e miséria crescem assustadoramente. Só para registrar e ficar gravado, dados do IBGE revelam que 52,7 milhões de brasileiros vivem na pobreza ou na extrema pobreza.
A foto da criança Yanomami é ainda mais revoltante e as diferenças ficam mais latentes quando pensamos que o churrasco oferecido pelo presidente no Palácio da Alvorada, no domingo, dia 9 de maio, teve carnes nobres a um custo que pode chegar as R$ 1800 o quilo.
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Que análise pode ser feita de um comportamento como esse? Descaso, indiferença, falta de empatia? Quantas palavras mais – ou quantas imagens a mais – serão necessárias para deixar ainda mais claro tamanho escárnio?
Vivemos em dois Brasis diferentes. Nós estamos de um lado, no país real, com quase 450 mil vítimas da Covid-19 – e o presidente e seus asseclas, estão do outro – no país da picanha de 1800 reais e da pandemia que é só uma “gripezinha.”
Enquanto isso, 29 milhões de pessoas ficaram fora do auxílio emergencial deste ano. Foram beneficiados 39 milhões de brasileiros, segundo levantamento que fizemos por meio da campanha #auxilioateofimdapandemia, a partir de dados divulgados pelo Ministério da Cidadania. No ano passado, 68 milhões de pessoas foram atendidas.
Neste ano, ficarão sem o benefício os mais vulneráveis. Em estados como Minas Gerais, os cortes atingiram mais da metade do público de 2020, com redução de 52% na base de beneficiários. Em São Paulo, são mais de 5,7 milhões fora desta rodada. São menos pessoas e valores menores.
O que dizer para quem está fora e segue desempregado sem condições de colocar comida na mesa para os filhos? É por essas pessoas e por todas as outras que têm voz, mas não são ouvidas, que vamos continuar lutando por uma renda digna e pelo auxílio de 600 reais até o fim da pandemia.
* Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das 300 organizações responsáveis pela campanha #auxílioateofimdapandemia