Por Beatriz Uliano*

Quando falamos em assédio, nos deparamos com um assunto complexo e muito sério, em que é necessário uma discussão. Nós, mulheres, sofremos frequentemente com o assédio em diversos âmbitos. Tanto moral quanto sexual. Seja em um transporte público, no local de trabalho, estudo ou até mesmo no momento de lazer.

Essa é a triste realidade em que vivemos, pois o assédio não se configura apenas com o toque, mas, também, está presente naquele comentário inoportuno, nos olhares maliciosos e em diversas frases que afetam a integridade e o psicológico da mulher. 

Uma das principais causas do aumento nos casos de assédio, principalmente o moral, são provenientes do machismo enraizado na nossa sociedade. Este está cada vez mais descarado e vem sendo passado por gerações, onde desde pequenos os meninos assimilam que o desrespeito e a imposição às meninas é visto como motivo de orgulho e demonstração de masculinidade pelos pais.

Uma pesquisa divulgada pela organização internacional de combate à pobreza ActionAid, ligada à ONU, mostra que 86% das mulheres brasileiras foram vítimas de assédio nas ruas e em locais públicos. As mulheres afirmavam que quase todos os dias homens mexiam com elas na rua utilizando expressões como “fiu fiu” e “gostosa”. Informam ainda que se sentem invadidas e que não reagem por medo. A pesquisa ainda aponta que os principais praticantes de assédio são 39% pessoas da família e 34% amigos.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto YouGov mostra que entre as formas de assédio sofridas em público pelas brasileiras, o assobio é o mais comum (77%), seguido por olhares insistentes (74%), comentários de cunho sexual (57%) e xingamentos (39%). Metade das mulheres entrevistadas disse que já foi seguida nas ruas, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% disseram que homens se exibiram para elas e 8% foram estupradas em espaços públicos.

“A ideia de que mais da metade das jovens sai de casa todos os dias temendo sofrer algum tipo de violência é alarmante. Indica o nível de normalização de atitudes que agridem e provocam danos em suas vidas. Sentir medo não é normal”, afirma Ana Paula Ferreira, coordenadora de Direito das Mulheres da ActionAid no Brasil. 

Segundo ela, “muitas brasileiras alteram suas rotinas, desmotivam-se nas escolas e criam estratégias para transitar pelas ruas, a fim de evitar se expor nos espaços públicos. Elas estão iniciando a vida adulta, e isso impacta seu desenvolvimento pessoal, econômico e social”.

A jornalista Karin Hueck defende que há um curto caminho entre chamar a mulher de “linda” e partir para o abuso físico. Ela diz que o assediador parte de um princípio: o corpo da mulher é visto como algo público, algo sobre o qual se pode opinar e, por que não, do qual pode se servir à vontade. Nesse sentido, ouvir um “fiu fiu” ou um “gostosa” não é algo legal, porque essas “cantadas” costumam ficar a um passo da agressão. 

A principal diferença entre o assédio e o elogio é que o assédio costuma discutir o corpo e a sexualidade da mulher, e esses assuntos são extremamente íntimos, ou seja, ninguém tem o direito de discuti-lo em público. Já o elogio diz respeito a várias outras qualidades que a mulher pode ter, assim como a inteligência, a competência, o humor, a sensibilidade, a garra, etc. O elogio é algo positivo, já o assédio pode fazer muito mal a quem o recebe.

Se para a mulher já é difícil esse assédio diário, imagina ser mulher e namorar uma mulher. Eu passo por isso diariamente. Desde que me assumi e comecei a namorar uma mulher, em qualquer lugar que frequentamos, sofremos olhares maliciosos de homens. Às vezes temos de lidar com comentários abusivos como: “vocês poderiam dar um beijo só para eu olhar?”. Outras vezes somos motivos de aposta entre amigos para ver quem vai conseguir beijar uma das duas. O pior de todos é: “que desperdício!”. Para quem? Só se for para o homem que nunca vai conseguir ficar conosco, porque para nós não somos nenhum desperdício, aliás, é totalmente o contrário. Também ouvimos comentários do tipo: “elas só namoram porque nunca conheceram um homem de verdade”, e o que eu digo sobre isso? NÃO, NÃO… MIL VEZES NÃO. Namoramos porque existe amor, namoramos porque encontramos uma na outra um lar, namoramos porque a nossa compreensão vai muito além do que eu já tive em um relacionamento heterossexual, namoramos porque temos a livre escolha de quem amar, independente de sexo, de cor ou de condição social.

Eu nunca vi um homem pedir para um casal heterossexual se beijar só para ele ficar olhando, e por que com as mulheres homossexuais/bissexuais tem que ser diferente?!

O preconceito que homens cis ou trans gays sofrem acaba sendo mais opressivo do que as lésbicas e bissexuais que são mais femininas. Isso porque, para a maioria dos homens, há um desejo sexual ao ver duas mulheres se beijando, tornando-se um assédio e não um preconceito. Enquanto os homens homossexuais sofrem agressão, seja ela física ou moral. 

Somos a nação que mais mata pessoas LGBTQI+ no mundo

De acordo com o GGB (Grupo Gay da Bahia), um homossexual é morto a cada 28 horas no país por conta da homofobia (assassinatos e suicídios) e cerca de 70% dos casos de assassinatos de pessoas LGBTQI+ ficam impunes. Segundo a Rede Trans, em todo o país, foram contabilizados, só em 2016, cerca de 143 homicídios, 52 tentativas de homicídio, 12 casos de suicídio e 54 violações a direitos humanos, violências estas que sempre são ocultadas pela mídia e negligenciadas pelo governo. Segundo estudo feito pela Universidade de São Paulo em 2014, sete a cada dez homossexuais brasileiros já sofreram algum tipo de agressão apenas por serem quem eles são. 

Esses dados demonstram que a homofobia no Brasil ainda é um problema presente e constante, havendo estatísticas apontando o Brasil como o país com a maior quantidade de registros de crimes homofóbicos do mundo, seguido pelo México e pelos Estados Unidos. 

Para a Organização Mundial da Saúde, “a violência apresenta-se estruturada sobre quatro categorias de violência, sendo elas a física, que corresponde a toda manifestação com o objetivo de ferir; a violência psicológica, caracterizada pela humilhação, desrespeito, rejeição, entre outros; violência sexual, quando o agressor abusa de seu poder sobre a vítima; e negligência, que é a omissão do responsável em proporcionar necessidades básicas de seu dependente” (CABRAL et al, 2013, p. 122).

Existem pessoas no mundo inteiro que não assumem quem realmente são por medo do que a sociedade irá falar, pensar ou fazer. Isso também é violência, porque a sociedade cria um padrão, como a “família tradicional brasileira”, e não seguir esse padrão é visto como anormal. Assumir a nossa orientação sexual hoje em dia é uma batalha que vamos vencer. A sociedade é preconceituosa e tem muita gente deixando de ser o que é pelo padrão que ela impõe. A necessidade do fortalecimento, do empoderamento e da conscientização para uma sociedade mais tolerante e com respeito às diferenças é uma necessidade urgente.

* Beatriz Uliano é estudante de Direito na Universidade do Sul Catarinense –  Unisul; estagiária da Comarca de Braço do Norte; feminista e parte da Comunidade LGBTQI+.

Esse artigo foi publicado originalmente na Revista Valente, do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de SC (Sinjusc).

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