“Nós queremos justiça, Marielle chegou!”. O mestre Moa e a vereadora Marielle Franco, vítimas de assassinatos políticos, foram homenageadas durante apresentação do bloco Cores de Aidê, no centro de Florianópolis. Neste terceiro ano de carnaval, o bloco de percussão, canto e dança, formado por mais de 100 mulheres, levou para a avenida o enredo “Aidê Braço de Maré forças que abrem caminhos”, comparando a união das mulheres à força do mar. “Essa força que ambos têm e seu poder de abrir caminhos, cada mulher uma corrente marítima que se fortalece quando se junta com outra”, explica Sarah Massí, idealizadora e regente.

A primeira participação das Cores de Aidê neste carnaval 2019 ocorreu na sexta-feira (1), dia especial para a capital do estado mais branco do país, quando quatro blocos com inspiração afro-brasileira desfilaram nas ruas paralelas à Praça XV, em Florianópolis. Em sua estreia no carnaval catarinense, Baque Mulher abriu os caminhos com seu maracatu de resistência feminista, seguido por Cores de Aidê, Africatarina e Arrasta Ilha.

Neste ano, as Cores de Aidê deixaram o multicolorido de lado para destacar o azul em suas diversas nuances, em homenagem à Iemanjá, orixá feminina das religiões de matriz africana Candomblé e Umbanda, mas também para protestar contra o estabelecimento de padrões de gênero. “São tons de azul, além de lembrar as águas, serve de provocação e reflexão, principalmente nesse momento político. Um bloco formado por um mar de mulheres, todas de azul nas ruas da cidade mostrando que além do ‘lugar da mulher é onde ela quer’, a cor que ela usa é azul, verde, preto, roxo… A cor que ela quiser”, conta Massí.

Cores de Aidê usam azul para defender que mulheres vestem a cor que quiserem/Foto: Chris Mayer

As Aidês foram aplaudidas especialmente no momento em que levantaram placas que traziam algumas de suas pautas políticas: “Cota não é esmola”, “sementes de Marielle”, “demarcação já”, “visibilidade trans”, “vidas negras importam”, “juventude negra viva” e por fim, “ninguém solta a mão de ninguém”. Temas que inspiraram o enredo, construído coletivamente pelas mulheres.

“Apesar do tema central ser águas, mar, maré, todas as pautas políticas trazidas fazem uma conexão com essa força do mar e das águas. É um momento de compreender que carnaval é resistência”, diz a integrante.

Ouça e conheça a letra de “Aidê Braço de Maré forças que abrem caminhos”

 

Amanheceu o tempo da resistência
O nosso canto traz sua presença
Um lugar de acolhida do mistério da vida
Que convoca pra luta e empodera o corpo
Pede licença ao amor, e despede o horror
Arrebenta correntes e liberta da dor
Corre em águas profundas chamando o Carnaval
Os caminhos se abrem para a festa imortal
Onde o céu, sem limite, samba-reggae e diz
Vem e cala a opressão, faz o povo feliz
Aidê! No Braço de Maré Aidê! Com esperança e fé
Camugerê é o templo da igualdade
Do ser mulher e viver por liberdade
É o encontro dos mares, do batuque e calor
Que batiza esta Ilha e combate o temor
Vai buscar suas crias nas marés de estação
E cuidar da poesia como revolução
Dá sentido à batalha feito lenha em fornalha
E convida as mulheres para a dança da praça
Onde a Latina terra grita, sim, senhor
Nós queremos justiça: Marielle chegou!
Aidê, no Braço de Maré Aidê, com esperança e fé
Cores de Aidê são amores em segredo
Das vozes livres de um Atlântico sem medo
Contagiando as mulheres por aguerrida paixão
Nordestina, africana, latina e de todo chão
Enquanto a terra se move, o universo entoa
O gemido do homem tombado, Mestre Moa
A sua morte estende uma injustiça cruel
Nossos punhos se erguem contra o gosto do fel
E o toque dos tambores chora a fatal repressão
Katendê nosso grito soa por libertação
Aidê, no Braço de Maré Aidê, com esperança e fé

(Letra e música: Marta Magda Antunes)

Cores de Aidê, carnaval também é resistência e reflexão/Foto: Rafael Waltrick

Confira destaques da entrevista que fizemos com as integrantes Sarah Massi e a cantora e compositora Dandara Manoela:  

– Em tempos onde nossos direitos estão sendo negligenciados, as pautas são diversas e num momento onde temos vários olhos voltados pra nós (no carnaval), por mais que seja um momento de diversão, com certeza deve ser de luta, resistência e reflexão.

– Marielle traz o mar no nome, assim como toda sua força e imensidão, somos sementes e águas transbordando suas lutas e seu legado. É simbólico ter essa presença em nosso tema, principalmente em Florianópolis, que infelizmente se mostra ainda muito conservadora.

– O primeiro dia de Carnaval foi muito emocionante. Participar do primeiro desfile de Blocos Afro da Capital tem um sabor muito especial. O evento foi idealizado pelo mestre Edinho do Africatarina e nós topamos a ideia desde o primeiro momento, amamos! Então a expectativa estava alta. Chegando no centro e vendo a multidão que nos acompanhou, foi um deleite e poder compartilhar com todos tudo aquilo que pensamos, lutamos. É muito forte. O público respondeu com muita força, especialmente nos momentos em homenagem a Mestre Moa e Marielle.

– As integrantes estavam com um misto de emoção e nervosismo para que tudo desse certo, corresse da melhor forma possível e nosso tema fosse expressado da maneira que desejamos. Tudo fluiu como tinha que ser e fomos dançando conforme a rua, porque a rua é vida, é movimento, é realidade e se modifica a cada instante, nos dá informações novas a cada instante.

O maracatu que empodera

Criado há onze anos pela mestra Joana Cavalcanti, a primeira mulher a reger uma nação de maracatu, o Baque Mulher é um movimento nacional de mulheres que surgiu em Recife (PE), e passou a se expandir para o Brasil. Em 2016, a mestra esteve em Florianópolis, assim como visitou outras cidades, para incentivar a organização do Baque Mulher no país. Em 8 de março de 2017, o bloco fez sua estreia nas ruas da capital catarinense, em um dia de intensa programação do 8M. Neste ano, integra novamente o dia de atividades do 8M SC, em Florianópolis, que começa às 6h e segue até a marcha, às 19h. 

Baque Mulher volta a se apresentar na próxima sexta-feira, no 8Marielle em Florianópolis/Foto: divulgação Baque Mulher.

“As nossas pautas são principalmente denunciar a violência, opressão, o machismo, o racismo e anunciar o empoderamento e força feminina que o Baque Mulher traz. As nossas músicas, as nossas loas – as letras do maracatu chamamos de loas -, uma delas é o disque 180 denuncie o agressor. Tem a questão da Maria da Penha e da mulher negra. Principalmente pelo maracatu, que está relacionado ao candomblé, o Baque Mulher tem como orixás protetoras Obá e Iansã, e as músicas exploram a questão dos cultos afro-brasileiros, a ancestralidade e o fortalecimento das mulheres”, explica a integrante Priscila Aparecida Prazeres.

Ouça a entrevista que fizemos com Priscila Aparecida Prazeres sobre a atuação do movimento Baque Mulher:

 

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