*Por Ivana Ebel

Tem muita gente perguntando: “E aí, você vai tomar a vacina?”. Confesso que me incomoda profundamente viver em um tempo em que as pessoas achem que isso deve ser questionado. Tomei todas as vacinas da infância. Tomei tudo outra vez quando me mudei pra Alemanha, porque não tinha todos os comprovantes e o meu médico achou melhor pecar pelo excesso do que pela falta. Tomo a vacina da gripe todos os anos – e pagaria por ela caso não me fosse oferecida gratuitamente. E sim, não vejo a hora de tomar a vacina contra a Covid.

Na verdade, vou além. Honestamente acho que quem não tem qualquer impedimento e se recusar a receber a vacina da Covid e qualquer outra vacina deve receber sansões. No mínimo, assinar um termo de compromisso assumindo as consequências e abrindo mão de receber tratamento caso tenha complicações por conta do vírus. Se negacionistas da ciência querem o direito de decidir baseados em sua visão obscura e imbecil, que assumam o ônus por sua inépcia.

Essa onda de questionamentos das vacinas é o grande experimento mundial que mostra que o Umberto Ecco estava certíssimo (mais uma vez) quando falou que “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. E o idiota da aldeia é o tio do WhatsApp, o grupo do Facebook, os Olavos, as fábricas de fake news, o gabinete do ódio, as Lindas e Karens, e toda a horda de imbecis que, de uma hora pra outra, enche a boca – e o teclado – para vociferar opiniões baseadas em desinformação, mentira e temperadas com uma dose de mau-caratismo.

Eu sou acadêmica e pesquisadora, tenho um título de PhD, e sei bem da seriedade dos métodos usados pelas universidades para qualquer pesquisa, ainda mais quando a ciência está tão perto do escrutínio internacional. O argumento de que as vacinas da Covid estão sendo feitas “a toque de caixa” é mal-intencionado e falacioso. O grande acelerador dos processos não é a falta de cuidados, mas a disponibilidade de dinheiro.

A diferença é que agora se tem recurso financeiro praticamente ilimitado e disponível para todas as fases, sem qualquer necessidade de pesquisadores passarem semanas fazendo projetos teóricos que levarão meses para ser aprovados por um comitê que vai levar outro tanto de tempo para liberar os recursos para, então, poder fazer a licitação dos equipamentos, a seleção de pessoal, e começar os processos de pesquisa. Um acadêmico passa muito mais tempo da sua vida fazendo burocracias para viabilizar sua pesquisa do que fazendo a pesquisa em si. E, agora, ficou claro o quão rápido as coisas podem prosseguir quando há um suporte financeiro e sem burocracia e o interesse internacional em dar apoio à ciência.

Eu não vejo a hora de tomar a vacina da Covid – qualquer uma delas. Eu até me inscrevi como voluntária para a pesquisa da vacina de Oxford, já que moro no Reino Unido, mas infelizmente não fui chamada para a fase de testes. Então, sigo aqui ansiosa e contando os dias para receber a agulhada e não tenho preferência por marcas ou restrições.

Em um mundo globalizado enfrentando um problema de escala mundial, não existe vacina da China, do Reino Unido, da Alemanha ou dos Estados Unidos: existem pesquisadores de todos os cantos cooperando (e revisando os trabalhos uns dos outros) para que a vida de todos (e a economia) volte ao normal o quanto antes.

Uma pessoa me escreveu que: “simples é só vc tomar e não encher o saco de quem não quer” (sic). Antes o problema todo fosse eu estar “enchendo o saco”. A questão de tomar ou não a vacina vai muito além de uma escolha individual. A imunização precisa ser em larga escala para impedir o vírus de circular na sociedade, porque existem pessoas que não podem ser imunizadas por diferentes motivos, embora desejassem tomar a vacina. Por isso a coisa só funciona quando todo mundo que pode tomar é vacinado: isso cria um escudo coletivo para proteger o outro. E os buracos nesse escudo provocados pela imbecilidade dos anti-vaxxers é que estão levando ao ressurgimento de doenças que já haviam desaparecido. A burrice e a estupidez individual têm reflexos coletivos e matam.

Tomar ou não a vacina não é o mesmo que decidir se vai ou não usar protetor solar, fumar ou fazer uma tatuagem. Não é uma decisão pessoal porque não impacta somente a vida do próprio indivíduo. É como dirigir embriagado: os carros têm equipamentos de segurança e, seguindo a mesma linha de raciocínio, qualquer um deveria ter o direito de decidir ou não se dirige bêbado, afinal se está jogando com a própria vida. No entanto, é fato que os riscos de ferir e matar outros e de afetar o funcionamento da sociedade como um todo (fechamento de ruas por causa de acidente, necessidade e custos de cuidados médico, incapacitação para o trabalho por sequelas, etc) fazem com que a proibição de dirigir embriagado seja óbvia e amplamente aceita.

Com a vacina não é diferente. Não é uma questão de opinião e nem se refere a uma escolha individual: é ciência, empatia e precisa ser compulsória. Não se pode deixar que a visão tacanha e limitada de uns impeça o todo de seguir vivendo em segurança. A vacina é parte de um pacto civilizatório, é uma decisão que afeta o coletivo. Não tomar a vacina é como sair pelo mundo embriagado e no comando de um carro desgovernado com plena consciência de que se vai matar, morrer, ou os dois. E isso não é liberdade: é mau-caratismo.

* Ivana Ebel é doutora em Ciências Midiáticas e da Comunicação, mestre em Mídia Digital, tem pós-graduação em Educação Superior e bacharelado em Comunicação Social – Jornalismo. Tem uma trajetória profissional respeitada com vasta experiência internacional tanto na indústria da comunicação, na qual trabalhou como jornalista e relações públicas, como na academia, tendo atuado como docente de nível superior no Brasil, Alemanha e, atualmente, no Reino Unido.

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