“(…)nestes quarenta anos dissemos muitas palavras na América Latina: dissemos crescimento, desenvolvimento, estruturas, eficácia. Sobre essas palavras construímos castelos de pensamento só para descobrir, muito depois, que o castelo era um cárcere e nós mesmos seus presos ou pior ainda, seus guardiães” (Testa M., Pensar em Saúde).
Desde quando começou no Brasil, a fase neoliberal do capitalismo percebi que houve uma mudança muito intensa no sentido das palavras usadas em nossas falas cotidianas e técnico-administrativas. Essas mistificações não começaram apenas a partir dos anos 1990 mas foi o momento em que eu percebi isso. Entre as expressões, usadas com grande entusiasmo naquele tempo, destacavam-se “estado mínimo”, “privatização”, “livre jogo dos mercados”, “globalização”, “cortar as gordurinhas”, “enxugar a máquina”, entre outras. Todas buscavam mascarar as mudanças na Constituição de 1988 e preparavam o país para o mais agressivo crime de “lesa-pátria” que ocorreu em nossa história, a conhecida “privataria tucana”, coroada com o rótulo mágico de “modernidade”.
As palavras são usadas para expressar fatos, opiniões emoções, informações, posições políticas, extravasar preconceitos e conceitos, enfim, são o mais importante meio que temos de nos comunicar. As palavras são signos usados na retórica da luta ideológica para o convencimento das pessoas e para difundir ideias e pensamentos. As palavras são fundamentais nos espaços como o parlamento, os conselhos de controle social, as escolas, os partidos políticos enfim, os lugares onde mediante os debates e discussões as pessoas procuram convencer as outras sobre as ideias que acreditam. Os políticos, golpistas ou não, sabem disso. As agências nacionais e internacionais que representam o mercado usam massivamente as palavras e os termos com o sentido distorcido ou como metáforas. A intenção é impregnar a mente das pessoas com as ideias que querem tornar dominantes e cristalizar o pensamento até que este fique impermeável a qualquer questionamento. No atual momento brasileiro nunca foram usadas tantas palavras com o sentido encoberto para encaminhar e garantir o golpe. Devido a isso imaginei que seria interessante organizar um “Glossário do Golpe”. É um glossário que obviamente está em aberto pois a imaginação dos golpistas não tem limites. Portanto, caso lembrem palavras e expressões podem colaborar acrescentando no glossário. E, acima de tudo não repitam essas palavras. Quando as usarem expliquem o sentido real. É mais um espaço de luta que iremos ocupar. Eis o que lembrei até agora:
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Glossário do Golpe
- Abertura – o real significado é o desmonte dos mecanismos de defesa de uma economia periférica e frágil
- Arrumar a casa – diminuir o tamanho do Estado mediante a eliminação das estruturas que operam as políticas sociais e os respectivos cortes no orçamento.
- Austeridade – no uso do dinheiro público é a prática de cortar os gastos essenciais necessários e usá-los para formar um “superávit” denominado ”superávit primário”.
- Choque de Gestão – palavra mágica da administração neoliberal significa cortar direitos dos servidores públicos, terceirizar, precarizar, demitir, oferecer o mínimo de serviços aos cidadãos.
- Combate à corrupção – Expressão máxima do cinismo e do escárnio, que levou um conjunto de criminosos a condenar uma ré sem crimes e a um conjunto de denúncias seletivas para destruir partidos, empresas e lideranças populares.
- Competitividade – tornar as mercadorias e bens do país atrativas para o capital internacional “vir às compras no Brasil” mediante a exploração em grau máximo dos trabalhadores/as.
- Conjunto da Obra – um suposto acervo de maldades e incompetências atribuídas à Presidenta Dilma Rousseff para suprir a falta de crime que fundamentasse o impeachment.
- Fazer o dever de casa – submeter-se, sem discussão, aos mandamentos do capital rentista e das transnacionais até transformar o país em uma colônia povoada de escolares com deveres de casa a cumprir.
- Falta de credibilidade – resultado de medidas e decisões do governo que fazem o mercado desconfiar que o governo não queira fazer o “dever de casa”.
- Falta de diálogo com o Congresso – Resistência da Presidenta em se submeter às chantagens dos partidos, deputados e senadores na prática do “toma lá, dá cá”.
- Falta de governabilidade – conjunto de chantagens, pressões, boicotes, traições, violências jurídicas, parlamentares, empresariais e políticas que impedem o governo de governar e que ocorrem sempre por “culpa do próprio governo”.
- Flexibilizar a legislação trabalhista – Destruir a CLT e todos os direitos que protegem os/as trabalhadores/as, perseguir o sonho inalcançável do retorno à escravidão.
- Justiça – substantivo exaustivamente usado pelos autores do pedido de impeachment e que depois de acusar sem achar o crime ainda chorar pelos filhos e netos da ré.
- Lei de Responsabilidade Fiscal – na realidade define que os recursos públicos devem ser prioritariamente usados para pagar juros ao sistema financeiro, em detrimento de todos os demais gastos do Estado.
- Mercado – pequeno grupo de multimilionários, inversores, especuladores e rentistas, e seus “empregados”, a saber, os economistas – chefes dos bancos e fundos, jornalistas e escritores de economía e seus associados no exterior.
- Pacificar o país – levar a sociedade brasileira à aceitação do golpe, ao conformismo, à desesperança e ao desânimo, sem reclamar.
- Pagar o pato – palavra de ordem da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP para incitar os/as cidadãos/ãs a sonegar impostos a exemplo de notórios diretores da própria FIESP.
- Segurança Jurídica – estabelecer normas rígidas para garantir a dissipação do patrimônio público, a devastação ambiental e à liquidação do Estado sem possibilidade de contestação legal.
- Virar a página – consumar o golpe.
E, finalmente, LUTA E RESISTÊNCIA, palavras que não precisam ser explicadas pois fazem parte de toda a nossa vida.
Até a Vitória!