“A violência sexual sempre foi utilizada como forma de dominação e colonização dos corpos, por isso que a violência sexual é sobre poder e matar dentro de nós, mulheres, a luz dos nossos olhos, uma luz que tem poder de transformação […] A nossa força, a cada uma de nós que dá um passo à frente, nós vamos comemorar e ninguém pode tirar isso da gente”, Isa Penna.

A manifestação da deputada Isa Penna (PSOL) ocorreu durante a sessão na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo que aprovou, na noite de quinta-feira (1º), o Projeto de Resolução que determina a perda temporária de mandato, por seis meses, do deputado Fernando Cury (Cidadania), acusado de importunação sexual contra a deputada, em dezembro de 2020. Por unanimidade, as e os 86 deputadas/os presentes na sessão foram favoráveis à pena por infração do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Casa. O agressor não estava presente. É a primeira vez que uma casa legislativa no país dá punição para um caso de assédio contra uma mulher.

No período de 180 dias, o parlamentar perderá todas as funções, incluindo subsídio e atividades de gabinete. No seu lugar, deve tomar posse o suplente padre Afonso Lobato (PV) após convocação a ser publicada no Diário Oficial na próxima semana.

“Alguém falou em politicas públicas para combater o assédio? Não! Se preocupam em querer me descredibilizar. Isso aqui é fruto da pressão popular que as mulheres fizeram lá fora, essa vitória é das mulheres, e isso vocês não vão poder tirar”, afirmou a deputada durante a sessão.

Ao final da sessão, o presidente da Assembleia, deputado Carlão Pignatari (PSDB), afirmou que com a decisão o Parlamento, com maioria absoluta dos seus integrantes, “dá um claro recado a toda sociedade, de que não admite qualquer situação de assédio, seja quem for ou o tipo que for”.

Nas redes sociais, a deputada relatou sobre as violências durante todo o processo. “Tentaram vencer a gente pelo cansaço […]. Não é a punição que a gente queria, sempre lutamos pela cassação. Mas aquele relatório do Wellington Moura (PRB) foi fruto de uma violência, quem acompanhou esse caso sabe disso para nós seria uma derrota se os 119 dias fossem aprovados. É algo muito simbólico o setor que estava tentando defender ao assediador foi derrotado, saiu com cara de derrotado, com cara de quem perdeu. Então, o machismo foi derrotado, mas do que uma vitória nossa é uma derrota deles e isso também é preciso ser comemorado”, afirmou Penna.

Ainda que defenda a cassação do mandato do assediador como pena, a deputada considerou a decisão uma vitória. “Que as próximas deputadas não sejam assediadas e, se forem, recebam o apoio que lutei junto com demais parlamentares contra o corporativismo machista existente no parlamento”, afirmou nas redes sociais.

Imagem: Twitter.

Até mesmo parlamentares que fazem oposição política à deputada apoiaram a pena mais rígida a Cury. “É um dia histórico, saio desta sessão contemplada, embora o resultado tenha mais uma simbologia, porque eu queria mesmo de fato aquilo que todas nós mulheres gostaríamos que acontecesse, mas a política é a arte do diálogo, de fazer o possível acontecer. Você, minha querida, serve de exemplo para muitas mulheres que são importunadas, que sofrem assédio. É um dia que saio vitoriosa”, afirmou a deputada Analice Fernandes (PSDB).

Vídeo mostra deputado Fernando Cury passando a mão na deputada Isa Penna na Alesp.

O feminismo é para todas as mulheres

Ainda que esperasse a cassação do mandato de Cury, a deputada Leci Brandão (PCdoB), considerou o resultado favorável, pois segundo ela “não é possível naturalizar abusos”. Em sua análise, a punição dada inicialmente pelo Conselho de Ética foi “um deboche com todas as mulheres”. “Quando se trata de garantir a dignidade de pessoas é inaceitável que se permita manobras, retrocesso. A maior assembleia da América Latina, o resultado que vai refletir aqui reflete em toda a sociedade. Isa Penna, você é representante do povo, desse estado, defende pautas importantes e se destaca por seus posicionamentos corajosos, você é uma guerreira”, pontuou Brandão.

A parlamentar Marina Helou (Rede) revelou ter sido alvo de comentários e condutas discriminatórias por deputados logo que assumiu o mandato, além das frequentes interrupções. Segundo ela, o cotidiano de violência política é uma realidade vivida também por outras deputadas, o que resulta no silenciamento das mulheres. “Cheguei ao plenário e de repente um deputado me deu um beijo e disse ‘você é uma das mais bonitas, vai dar tudo certo para você’. Ele deu uma risada e saiu andando. Isso me desconcertou, passei a pensar ‘como assim, ser assim diminuída, como minhas ideias podem ser diminuídas dessa forma, como devo me vestir, como estou neste espaço? Isso quase me paralisou, mas não foi a única vez comigo e com as deputadas dessa casa”, relatou a deputada.

Isa Penna citou a teórica feminista estadunidense bell hooks para se referir a manifestações controversas da deputada Janaina Pascoal (PSL). “bell hooks diz que ninguém está imune à misoginia. As mulheres não praticam o machismo, mas não estão imunes à misoginia que se expressa nas suas ações […] O problema da Janaina Paschoal, essa viúva do golpe que nos trouxe para uma das maiores crises político-econômicas do Brasil, é que não querem admitir que é uma derrota deles, que é uma vitória do feminismo e, por menor que seja, é muito importante. O mandato de segurança vai continuar. A pena justa é a cassação”, afirmou.

“Viva o feminismo! Só se vale a pena viver a vida, mulheres, quando se é feminista. O feminismo vale para todas até para aquelas que lutam contra o feminismo”, bradou.

Ainda durante a sessão, Penna fez uma explanação pedagógica sobre o sistema patriarcal que permite e naturaliza esse tipo de prática no cotidiano dos espaços públicos e privados. “Independentemente se as mulheres são de direita ou esquerda, existe um sistema chamado patriarcado, que é um sistema de dominação de homens sobre mulheres, que foi se desenvolvendo por séculos e séculos ao longo da história. Não é uma questão de opinião, as mulheres já foram impedidas de exerceram direitos básicos, democráticos, em determinadas sociedades nem era consideradas seres humanos como os homens”, argumentou a deputada durante a sessão.

“É por todas nós, chega de assédio, vivam as mulheres, se você estiver passando por situação de assédio, que esse caso sirva de inspiração, pode lutar, pode botar a boca no trombone, grava se for preciso. Essa nossa luta é uma luta que não tem arrego, não tem passo atrás. Nossa luta não é contra o Cury, a nossa luta é contra um sistema que está presente no legislativo, judiciário, presente nos espaços público e privados”, enfatizou a parlamentar.

Entenda o caso

A deputada estadual Isa Penna teve seu corpo apalpado pelo deputado Fernando Cury, durante sessão plenária na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), em 16 de dezembro do ano passado. Penna conversava com o presidente da ALESP quando o assediador chegou e pegou na lateral de seu seio.

A deputada registrou um boletim de ocorrência (BO) contra Cury, baseada no código penal atual que prevê punição para comportamentos contra a dignidade sexual. Além do estupro, há na legislação o crime de assédio sexual e o mais recém aprovado crime de importunação sexual.

“No caso da deputada quando ela fala que foi assediada ela está certa porque é uma maneira social de dizer que foi violada. Tecnicamente falando, ali como não tem a questão hierárquica porque ambos tem o mesmo cargo, o que ocorreu se encaixa em importunação sexual”, explicou ao Catarinas, Isabela Del Monde, advogada e coordenadora do movimento #MeTooBrasil.

O caminho para justiça foi árduo. Em 30 de março, o deputado Emídio de Souza (PT) chegou a fazer um pedido ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para que fosse aplicada uma emenda com uma pena alternativa, de cassação do mandato de Cury.

Na quarta-feira (31), o desembargador Francisco Casconi, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), negou pedido de liminar para suspender a sessão e obrigar a admissão de emendas pela cassação do deputado Fernando Cury.

Ainda na sessão de quarta-feira, Isa Penna protestou contra a presença de Wellington Moura (PRB) na Mesa Diretora. Isso porque ele é autor do voto em separado que atenuou a punição inicialmente prevista no Conselho de Ética da Casa, propondo 119 dias de afastamento, período correspondente a uma “licença” no regimento interno da casa.

Sobre a investida do deputado Moura que passou a divulgar imagens de Cury com o intuito de defendê-lo, Isa provocou: “não desejo mal a família, não desejo a prática de linchamento contra ele, nem que a família dele sofra, mas a minha família está em sofrimento, o meu pai é tão pai quando o de Fernando Cury, só que não, porque aqui neste espaço não valho o mesmo que Cury”.

Articulada por aliados de Cury, a proposta derrubou a punição maior defendida inicialmente pelo relator do caso, o deputado Emídio de Souza (PT), que pedia o afastamento por seis meses do assediador, sem remuneração. 

Após discussão com o Colégio de Líderes e com o Conselho de Ética na manhã da quinta-feira, o presidente da ALESP, Carlão Pignatari (PSDB), levou para votação outra emenda, dessa vez acatando a pena de 180 dias, pedida pelo relator do caso no conselho, o deputado Emídio de Souza.

Atualizada às 19h20.

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  • Paula Guimarães

    Paula Guimarães é jornalista e cofundadora do Portal Catarinas. Escreve sobre direitos humanos das meninas e mulheres. É...

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