Dados do relatório produzido, a pedido do Banco Mundial, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) revelou que os casos de feminicídio cresceram 22,2% entre março e abril de 2020 em 12 estados brasileiros, pouco tempo após o início da pandemia. No início de março, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que 30,4% dos homicídios de mulheres ocorrem dentro de casa. Negras são as principais vítimas.

O levantamento do IBGE faz parte do estudo “Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”. Entre pretas e pardas, a violência dentro de casa foi 34,8% maior do que contra as brancas. Quando fora do lar, esse índice salta para impressionantes 121,7%. Mantidas em suas casas pela imposição do isolamento social e exauridas pelo acúmulo de funções (muitas cuidaram dos filhos e de familiares dependentes neste período), elas estão sujeitas a todo tipo violência – física, psicológica, mental.

A sobrecarga nos papéis domésticos levou até os especialistas a criarem um novo termo para designar essa exaustão: a fadiga pandêmica. Cansada, sem empregos, sem assistência e sem renda, a mulher, que habitualmente é vítima da violência e do assédio, passou a sofrer também um outro tipo imensurável de flagelo: a violência da fome.

Informações retiradas da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do IBGE, revelam que há atualmente no país mais de 80 milhões de brasileiros em situação de insegurança alimentar, termo usado para designar quem tem pouco ou nenhum acesso à comida. A redução do auxílio emergencial de R$ 600 para R$ 300 no fim do ano passado empurrou 7 milhões de brasileiros para a pobreza extrema (famílias que vivem com menos de R$154 mensais por pessoa, segundo critérios da Fundação Getúlio Vargas).

Em sua maioria, são mulheres – e mulheres negras. Os números não negam. Entre os elegíveis ao auxílio emergencial, elas totalizaram 37,8 milhões contra 30,4 milhões de homens. E, sim, são também as vítimas preferenciais dessa tortura que é a fome. Representam um contingente absolutamente desassistido para o qual faltam políticas públicas e sociais que confiram o mínimo de dignidade para elas e para seus filhos.

Essas vítimas da violência física, todos os dias enfrentam a dificuldade da fome e de ver seus filhos chorando à frente de panelas e pratos vazios. O auxílio emergencial, como o nome diz, tinha o objetivo de salvaguardar essas mulheres dessa condição de pobreza extrema. Ajudou, muitas vezes de forma pouco equânime, mas foi interrompido antes mesmo de a pandemia acabar – quando, ao contrário, vemos as medidas de isolamento se acirrarem ainda mais no país, numa segunda onda mais violenta e letal do que a primeira.

Vagas e postos de trabalho são fechados, agravando a crise à qual os brasileiros estão submetidos. Somente no terceiro trimestre do ano passado, o país registrou 8,5 milhões de mulheres a menos na força de trabalho, em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).

A conta da pandemia imposta a elas, além de desigual, é desumana, pois mais da metade dos lares da fome é chefiado por mulheres. Então, que este mês de março sirva como um marco ainda mais forte, não apenas de resistência, mas de pedido de socorro: passou da hora de tirarmos os véus que escondem a violência contra a mulher e a mais primitiva delas, a violência da fome.

A conta que essas mulheres estão pagando é pesada demais para quem não tem condições de quitar um débito histórico que foi, comodamente e durante anos, relegado às periferias e a quem é negra, quem é pobre, quem tem filhos, é mãe-solo.

Vamos lembrar que a renda básica talvez seja o principal ou o único meio para trazer mais equidade e dar um mínimo de dignidade a uma geração que cresce sem comida e sem direitos, num cenário de violência que se perpetua geração após geração.

É hora de olharmos verdadeiramente para essa situação. Mulheres, de todas as posições sociais e condições, olhem para o lado e apurem os ouvidos para escutar o som das panelas vazias, que pedem direitos e comida. É por essas mulheres que a campanha #auxilioateofimdapandemia foi criada. Por elas, precisamos resistir a um genocídio progressivo que ceifa vidas, sonhos, projetos. Fica a reflexão neste mês de março, o mês das mulheres.

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Paola Carvalho

    Assistente social, especialista em Gestão de Políticas Públicas na perspectiva de gênero e promoção da igualdade racial,...

Últimas