Faz pouco menos de 80 anos que a catarinense Antonieta de Barros assumiu, em 1948, como a primeira mulher negra eleita deputada estadual no país. Mais de 30 anos depois, em 1981, a baiana Laélia de Alcântara foi a primeira mulher negra a se tornar senadora da República, quando se dava o início do fim do regime militar e o Brasil caminhava para mergulhar em um processo histórico de redemocratização.

Na Assembleia Nacional Constituinte – que marcou a elaboração da Carta constitucional de 1988 – a carioca Benedita da Silva foi a única deputada negra eleita entre 559 parlamentares. Em 1992, a piauiense Kátia Tapety foi a primeira mulher negra e travesti a ocupar um cargo eletivo no Brasil e na América Latina. 

Essas e outras mulheres negras que a História tenta apagar são panteãs brasileiras que abriram caminhos e desenvolveram estratégias inovadoras de resiliência para alcançarem posições de poder e tomada de decisão num país tão marcado por desigualdades de raça, gênero e classe. Contudo, as trajetórias pioneiras retratadas aqui não podem alimentar a noção equivocada de que sua perseverança na vida política simboliza uma força inata para seguir adiante.

Mulheres negras resistem porque é isso que a desigualdade e a violência lhes impõem, não por serem naturalmente mais fortes. Desde as primeiras eleitas até os dias de hoje, a vida política continua hostil e violenta, afetando sua atuação de maneira desproporcional. E no fim das contas, mulheres negras estão cansadas de ter que ser fortes. A resiliência não é uma escolha, mas o único caminho para não sucumbirem à morte (física, social, cultural e política). 

Mulheres negras representam 28% da população brasileira, mas suas candidaturas têm enfrentado muitos desafios. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, no contexto das eleições municipais, fazendo um comparativo entre 2020 e 2024, houve uma redução de 10,6% nas candidaturas de mulheres negras – que vinham em uma crescente de 2016 para 2020.

Muitas candidatas relatam obstáculos para acesso a recursos para suas campanhas eleitorais, violência política e ataques graves de seus opositores, além de um nível preocupante de desmotivação e fragilidade em termos de saúde mental.

Fazer política no Brasil não deve custar a vida de ninguém, especialmente de quem historicamente carrega esse país nas costas. Precisamos desafiar essa realidade a partir do que aconteceu com Marielle Franco, bem como a partir do que mulheres negras defensoras de uma agenda de direitos têm vivido todos os dias para tentar produzir transformações sociais importantes.

Se queremos nos consolidar enquanto um país verdadeiramente justo e democrático, precisamos reverenciar as pioneiras, mas acima de tudo não permitirmos que elas sejam as únicas a travar batalhas tão duras. Assim, em mais um momento decisivo, onde a extrema direita continua a se articular para enraizar seu poder nas câmaras e prefeituras, podemos dar uma resposta contundente através das urnas. 

Nesse mês de outubro, em que os assassinos de Marielle serão levados à júri popular por tentarem interromper um projeto político transformador, precisamos eleger mais mulheres negras defensoras de direitos humanos e dar o recado de que nossas vozes seguirão vivas e ainda mais fortes.

Vote por Marielle, vote pela democracia! 

O jornalismo independente e de causa precisa do seu apoio!


Fazer uma matéria como essa exige muito tempo e dinheiro, por isso precisamos da sua contribuição para continuar oferecendo serviço de informação de acesso aberto e gratuito. Apoie o Catarinas hoje a realizar o que fazemos todos os dias!

Contribua com qualquer valor no pix [email protected]

ou

FAÇA UMA CONTRIBUIÇÃO MENSAL!

  • Lígia Batista

    Lígia Batista é diretora executiva do Instituto Marielle Franco. Formada em Direito, pesquisa sobre representação políti...

Últimas