A disputa política é a guerra antes da guerra. Para quem tem dúvida, basta se colocar contra algum pilar do sistema. Na última semana, a tribuna da Assembleia Legislativa de Santa Catarina foi arena de um episódio que mancha o seu caráter democrático, a história das mulheres na Casa e que requer posição contundente de seus parlamentares.

A deputada estadual da bancada de oposição, Ana Paula Lima (PT), sofreu ataque misógino, após defender projeto de lei de sua autoria que defende a extinção das Agências de Desenvolvimento Regionais (ADRs), o que diminuiria cargos comissionados no Governo Estadual. O arsenal, seguido do silêncio de muitos, foi desferido pelo deputado da situação, Roberto Salum (PRB). O parlamentar argumentou que não debateria com Ana Paula, mas apenas com o marido dela, o deputado federal, Decio Lima.

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Não é preciso descrever aqui o que representa a posição do deputado e o que ela denota sobre o seu entendimento quando o assunto é direito das mulheres, violência institucional e equidade de gênero. Mas, o quanto ela revela do pensamento político-partidário hegemônico sobre a participação política das mulheres e o fosso de gênero nas estruturas do poder institucional. Neste quesito, o Brasil conta com pouco prestígio internacional. Dados do ranking elaborado pela União Interparlamentar Internacional (UIP) em 2016 trazem o país na 155ª posição em representatividade feminina nos parlamentos.

No capitalismo, o poder econômico determina quem fala mais alto e, neste caso, sendo as mulheres as mais pobres e as que recebem os menores salários, não seria diferente que fossem poucas as candidatas e menor ainda o número de mulheres que exercem cargos de poder. Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, foram apenas quatro deputadas eleitas em 2014 e apenas três exercem mandato atualmente. Diante de uma minoria representativa, fica fácil estancar o debate político dispondo de argumentos misóginos como “volta para a cozinha”, “vai lavar a louça” ou “vou fazer queixa de você para o seu marido”. Nunca é demais afirmar que é misoginia – ato de ódio e desprezo às mulheres – lançar mão de críticas a uma figura parlamentar feminina, evocando um estereótipo marcadamente doméstico, sobretudo quando esta mulher foi eleita com expressivo número de votos, como os homens ali presentes – com exceção, evidente, daqueles que ocupam cargos como suplentes.

Em um país onde as pedaladas fiscais – que os homens podiam dispor tranquilamente ao longo de seus mandatos – se transformaram, da noite para o dia, em motivo para o impedimento da sua primeira presidenta eleita, não espanta que mulheres na tribuna ofendam a virilidade e o machismo predominante na política. Como Suassuna, acredito no realismo esperançoso. Um novo processo eleitoral se avizinha e é preciso que mais mulheres estejam dispostas ao desafio de enfrentar o patriarcado nos espaços de poder. Não podemos nos intimidar!

Nas eleições de 2016, Santa Catarina contou com apenas 64 candidatas à prefeita e 5.160 candidatas a vereadora, diante, respectivamente, de 675 e 10.436 candidatos homens. Os números ainda são ínfimos diante dos desafios para a paridade de gênero nos espaço de decisão e vão desde ultrapassar as barreiras internas da disputa partidária, passam pelas triplas jornadas de trabalho, até alcançar os fatores sociais, culturais e econômicos que atingem de forma particular a vida das mulheres brasileiras. Não é à toa que ainda são necessárias as políticas de equidade , como as cotas que garantem a presença mínima das mulheres nos espaços de poder.

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Às mulheres, organizadas ou não, cabe a manifestação radical, respondendo à altura o preconceito, o machismo e o desrespeito a nossa participação nas esferas de poder, construída com o esforço de figuras como Antonieta de Barros, uma mulher negra, educadora e a primeira deputada eleita no país, filha de nossa terra, tal qual Anita Garibaldi, heroína de guerra que desafiou o seu tempo. Responder à altura, nas ruas e no parlamento, contra a opressão, o desrespeito e violência é nossa tarefa. Denunciar o sistema patriarcal e a cultura machista é o que marcará as manifestações que devem tomar o Brasil em 8 de março. A disputa política é a guerra antes da guerra e não estamos sozinhas na resistência.

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