*Por Helena Vieira.

Chamo de ativismo narcisista aquele autocentrado, em que o ativista, toma a si mesmo como modelo de perfeição da luta. Geralmente intolerante e duro com o outro, este ativismo é tomado de um discurso autoritário explícito: não se move, não se abre a atravessamentos e nem a construções, rejeita a discordância e se protege acusando o interlocutor. É o ativismo que não está disposto a nada além de seus monólogos e seus momentos de estrelato.

Acredito que este ativismo se constitua a partir de uma confusão básica entre “intolerância” e “radicalidade política”, acreditando que manter-se em constante “defesa”, recusando-se a eventualmente rever suas posturas, estará sustentando uma posição política firme. Mas firmeza não é dogmatismo, né? Representatividade não é “autopromoção”. Não há problema algum que ativistas sejam famosas. Aliás, é mesmo importante que mulheres negras, mulher trans e tantas outras que historicamente ocupam espaços subalternos estejam na mídia.

O problema está quando o discurso se esvazia na busca dos likes e da “lacração” e não se abre ao dissenso, à discordância. Essas posturas podem até ter lá sua função. Mas não é com autoritarismo que se constrói política pública.

Não é com uma “fala” que rejeita “escuta”, que se pode sensibilizar o outro. Há em todos os grupos que reúne ativistas, disputas para saber quem fala, quem pode ter voz, e principalmente, há uma disputa para saber quem “problematiza” mais e melhor.

A marca do ativismo narcisista é atacar tudo: não há desconstrução, mas destruição. Desconstruir é um processo de deslocar os sistemas de pensar, permitindo que eles estejam abertos, que não se enclausurem em verdades violentas.

“Como fugir à essa verdade violenta?”. Desconstruir é uma prática de alteridade também, e não a imposição de uma nova verdade violenta em substituição às antigas. Como eu posso produzir deslocamentos se parto de uma fixidez de mim e do outro?

Talvez o caminho esteja em fugir da escuta autoritária. Afinal, o que é escuta autoritária? Acredito que seja uma postura (bastante comum, todos nós já tivemos) de escuta, estruturada nas seguintes características:

1) Escuto buscando o erro no discurso do outro, procurando o que preciso reclamar, o que preciso problematizar, o que está fora do lugar. Não há preocupação em entender, mas em buscar um ataque;

2) O desprezo apriorístico: “Vai, fala, não deve sair nada bom mesmo, mas não custa deixar falar. Fala aí”;

3) A escuta temporal: Eu escuto buscando o intervalo em que poderei fazer algum comentário genial, e “lacrar”.

4) Negação da subjetividade: “É omi, cis, hetero e branco? Morre! Não tem que falar” (Como é que escuta assim, gente?); Rompendo com essa escuta, a gente aprende a falar e talvez a gente possa ouvir as narrativas do outro, e entender o caminho para promover a empatia.

Ao fim, o ativismo narcisista somado à escuta autoritária, só quer ouvir uma coisa mesmo: “A senhora lacra, mulher”.

Há tempos que escrevi este texto e hoje, quando assistimos ao BBB, percebemos a postura autoritária e impositiva, e os perigos de organizar nossas reações inspiradas nas mesmas práticas de exclusão que nos violentam.

Ps. Nem todo ativismo é assim.

*Helena Vieira é escritora e transfeminista.

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