“[…] as negras que ‘se põem de pé’, que lidam com o sexismo e o racismo, desenvolvem importantes estratégias de sobrevivência e resistência, estratégias que precisam ser partilhadas com as comunidades negras, especialmente porque […] a negra que passa por tudo isso e se descobre que ‘tem nas mãos a chave da libertação’. (hooks ,2013, p. 160)

Começo agradecendo ao Movimento Negro Unificado (MNU) pela oportunidade de expandir meus conhecimentos nestes nove anos de percurso acadêmico. Cito bell hooks porque ela me contempla naquilo que venho sentido desde que sou mãe, mas se transformou em choro e aflição no dia de hoje.

Ser, tentar auxiliar, até mesmo estudar: para as (nós) mulheres negras e periféricas não tem sido um trabalho fácil. É cada pedrada que a gente leva! Me coloco neste lugar, pois me dá mais gás pra falar por mim e também falo na tentativa de apresentar a fala de outras, mesmo diante da adversidade que atravessamos, porque nunca estamos no centro, sempre à margem. E a margem pergunta e também responde. Pergunto: o que já perdemos com este desgoverno e com a pandemia? Quem perde? Todas/os dirão: a classe trabalhadora!

Eu acredito que não seja novidade para ninguém que mulheres negras sempre trabalharam, desde muito cedo. As trajetórias são muito parecidas, não há como negar. A construção deste país pelos europeus, que forjaram a estrutura social e racial em que nos encontramos, nos coloca num lugar de subalternidade, não é verdade? Mas até quando?

Então, bingo! De quem foi uma das primeiras mortes a serem noticiadas pelo coronavírus no Brasil? Uma mulher negra, que era empregada doméstica de uma família que acabara de chegar dos isteitis. Diria a Namoradinha do Brasil, atual Ministra da Cultura: Vocês estão carregando corpos! Pois é, dona Regina, nem nos despedir direito dos nossos podemos neste momento. Está tudo muito sofrível, sabe?

Bem, os avanços com a PEC das domésticas no governo Dilma – fruto da luta desta categoria, de quem a classe média e a burguesia não abriram mão neste tempos de pandemia -, apontam para o modelo de sociedades dos séculos escravistas, que se reproduzem e se reinventam a todo momento, para manter uma sociedade dividida. Agora, atacam a previdência com reformas, ou seja, voltamos a morrer trabalhando, e efetivamente nos infectando e infectando as nossas famílias, que vivem em um espaço onde as políticas públicas chegam de costas, ou seja, não chegam!

Tudo que este governo vem reforçando é a morte de nossas mulheres trabalhadoras, das nossas famílias, das nossas periferias.

Mas eu falo tudo isso, primeiro porque os estudos apresentam onde a pandemia e toda a lambança que este desgoverno vem produzindo vão afetar: os mais pobres, logo, a população negra. Porém, é preciso compreender que nós, nas comunidades, vivemos um dia de cada vez, pois nada, nada por aqui é fácil. O que mais aborrece e entristece uma mulher negra na periferia é ver as/os suas filhas/os sem perspectivas de futuro. O que afeta, atravessa e adoece essas mães é perceber que elas, que saem todos os dias para manter o equilíbrio alimentar da sua prole, mesmo assim, são vencidas pelo sistema.

Este maldito sistema capitalista seduz nossas/os jovens no falseamento de uma vida que é estruturada no racismo, que nunca abrirá possibilidades para as juventudes negras, que terão que fazer uma força imensa para serem incluídas. É por conta destas mulheres e dessas/es jovens que eu escrevo, que se dedicam e, dentro das suas possibilidades, deslocam suas existências para a construção de uma sociedade mais igualitária, da qual ela, a mãe, também deseja fazer parte, com seu esforço hercúleo para auxiliar na construção deste outro mundo para suas e seus filhos/as.

São elas, ou melhor, somos nós, que todos os dias lutamos com nossas ferramentas para aniquilar o racismo, o machismo e os preconceitos, apostando na possibilidade de futuro para os nossos jovens.

Temos sim nas mãos as chaves da libertação, como diz bell hooks, mas há momentos em que esta mãe se despedaça, e este momento é quando ela percebe que vai perder seus/as filhos/as para esse sistema que vai acabar com a utopia dos/as seus/suas. É por estas mães, é por mim, é por um lugar chamado de COMUNIDADE, PERIFERIA, MORRO, FAVELA, QUEBRADA, que venho aqui pedir: #manonãomate #manonãomorra

*Luciane de Freitas é mulher, negra , moradora de periferia, mãe de dois filhos, avós de três crianças e casada há 26 anos. Graduada em Licenciatura no curso de Ciências Sociais pela UFSC. Educadora Popular do Projeto de Educação Comunitária Integrar, membra da GESTUS – Gestão Estudantil Universitária Integrar. Militante do Movimento Negro Unificado de Santa Catarina (MNU). Atualmente constrói também um grupo de mulheres chamado de EscutAção que dialoga sobre as violência vividas pelas mulheres. Professora ACT de Ciências Humanas na Educação Quilombola na Comunidade do Morro da Queimada na Escola Estadual Jurema Cavallazzi, área central de Florianópolis. Membra do Grupo de Trabalho da Educação Quilombola em SC. Pertence ao grupo de pesquisa: Núcleo Infância, Comunicação, Cultura e Arte (PPGE / CED/CNPq)

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