Por Emanuelle Goes.

As mulheres sofrem violência tanto no parto, quanto na situação de abortamento. Mesmo as que dão “a luz” não estão salvas de serem violentadas institucionalmente. Porque na verdade o grande problema é o SER, mulher negra jovem de periferia, estas categorias sociais/identitárias definem ou ajudam muito na decisão do profissional de como serão tratadas as pessoas que acessam os serviços de saúde.

A violência obstétrica caracteriza-se pela apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda de autonomia e a capacidade de decidir sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres. Essa é a definição dada pelos Estados da Venezuela e da Argentina, onde a violência obstétrica é tipificada (Defensoria do Estado SP).

Segundo o dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, os atos caracterizadores da violência obstétrica são todos aqueles praticados contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometidos por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais técnico-administrativos de instituições públicas e privadas, bem como civis.

A Pesquisa Nascer no Brasil, realizada em 2014, apresenta dados interessantes sobre as intervenções durante o parto em mulheres de risco obstétrico habitual e boas práticas. O estudo mostra que a infusão de ocitocina e ruptura artificial da membrana amniótica foi uma técnica muito utilizada para provocar a aceleração do trabalho de parto. Ambas ocorreram em cerca de 40% das mulheres de risco habitual, sendo mais frequente nas mulheres do setor público, de mais baixa escolaridade.

São as mulheres negras que mais sofrem violência obstétrica, pois são as que mais peregrinam na hora do parto, ficam mais tempo em espera para serem atendidas, têm menos tempo de consulta, estão submetidas a procedimentos dolorosos sem analgesia, estão em maior risco de morte materna. Cerca de 60% das mulheres que morrem de morte materna são negras. É importante ressaltar que a morte materna é considerada uma morte prevenível e que em 90% dos casos poderia ser evitada se as mulheres tivessem atendimento adequando.

Sobre a morte materna, enquanto não enfrentarmos o racismo institucional nos serviços de saúde e garantirmos a equidade entre mulheres negras e brancas o Brasil continuará a ter alta taxa de mortalidade (63,9/100 mil nascidos vivos – 2013). Neste sentido, é importante destacar que o Brasil não alcançou a meta do Objetivo do Desenvolvimento do Milênio sobre saúde materna, que deveria chegar no máximo a 35 óbitos por 100 mil nascidos vivos até 2015, mas, se por acaso o Brasil fosse de mulheres brancas (35,6/100 mil nascidos vivos – 2013) – mulheres negras foram de 62,8/100 mil nascidos vivos – a meta teria sido alcançada.

Violência obstétrica, racismo institucional e morte: Caso Rafaela Santos

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Parte do ensaio Retratos da Violência Obstétrica. Foto Carla Raiter.

Rafaela Cristina Souza dos Santos tinha 15 anos, morreu de morte materna após dar à luz em uma maternidade no Rio de Janeiro, em 2015. Houve negligência no atendimento à adolescente, que ficou por mais de cinco horas no hospital, sem atendimento médico, queixou-se de dor de cabeça, houve insistência no parto normal, quando apresentou quadro de eclampsia, fizeram a cesárea tardiamente e Rafaela foi a óbito.

O dossiê revela que a eclampsia, pré-eclampsia e os distúrbios hipertensivos afetam muito mais a população negra, sendo as maiores causas da mortalidade materna da população negra. Apesar disso, o médico não poupou seu diagnóstico com base em preconceito racial e socioeconômico. O racismo dos profissionais de saúde atrasa a decisão da mulher de buscar assistência, dificulta o acesso da mulher ao serviço de saúde, dificulta o acesso da mulher ao tratamento adequado.

“Tinha que ser! Olha aí, pobre, preta, tatuada e drogada! Isso não é eclampsia, é droga!”, fala atribuída ao anestesista que foi chamado durante a madrugada (plantão de sobreaviso) para atender a uma cesárea de emergência de uma gestante adolescente com eclampsia, cujo parceiro estava preso por tráfico de drogas. Maternidade Pró-Matre, Vitória-ES (Fragmentos do Dossiê).

A violação dos Direitos Sexuais e Reprodutivos corresponde à limitação de oportunidades na vida das mulheres, tanto na esfera pública como na esfera privada – e também pode culminar, muitas vezes, na morte e na aquisição de agravos que poderiam ser evitados.

A violência institucional, e neste caso tipificada pela violência obstétrica, prejudica o acesso das mulheres aos serviços de saúde, o que pode levar a morbimortalidade materna.

O espaço do cuidado e da assistência à saúde, assim como os seus profissionais, deveria garantir minimamente que as mulheres tivessem os seus riscos de adoecer e morrer reduzidos, no entanto, por conta de uma estrutura de sociedade opressora, desigual e preconceituosa, coloca a vida das mulheres em risco a cada momento que elas entram nos serviços de saúde.

Referências:
LEAL, Maria do Carmo et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad. Saúde Pública [online]. 2014, vol.30, suppl.1. Disponível em: http://ref.scielo.org/dkh38f.

Parto do Princípio Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa. Dossiê da Violência Obstétrica “Parirás com dor”. Dossiê elaborado para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, Brasília, 2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/SSCEPI/DOC%20VCM%20367.p df.

Emanuelle Goes é blogueira, enfermeira, coordenadora do Programa de Saúde das Mulheres Negras do Odara Instituto da Mulher Negra e doutoranda em Saúde Pública (ISC/UFBA). Entre contato com ela no [email protected].

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