“Queremos continuar na cozinha”, foi o pedido de Lourdes Vicente da Silva, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). A frase dita fora do contexto, soa de forma negativa aos ouvidos de tantas mulheres que lutam pela divisão igualitária de tarefas entre homens e mulheres, ou mesmo mudanças sociais mais profundas para atingirmos a igualdade de gênero. Mas, antes de construir uma narrativa de posição contrária a essa ideia, é preciso compreender as diferentes formas de feminismo e os espaços das mulheres rurais. “É na cozinha das propriedades rurais que estão os espaços de decisão da família. Não lutamos para sair da cozinha, lutamos para que se mude a ressignificação das relações de trabalho entre homem e mulher”, explicou Lourdes.

Acompanhada de lideranças de vários movimentos rurais que debatem a condição das mulheres no campo, como o Movimento das Mulheres Campesinas (MMC), a Federação de Trabalhadores na Agricultura Familiar (FETRAF/Brasil), o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento das Campesinas de Moçambique e a Marcha das Margaridas, elas chegaram cedo, empunhando bandeiras e cuias de chimarrão. Numa roda de conversa na Tenda Mundos de Mulheres, falaram dos desafios de se discutir sobre feminismo em espaços que o Estado é o último a chegar.

Lourdes Vicente do MST destaca que o feminismo camponês é do cotidiano. Foto: Catarinas/Silvia Medeiros.

Para elas, o desafio de lutar pela equidade de gênero enfrenta triplas barreiras. Há a falta de reconhecimento do trabalho feito pelas mulheres nas propriedades, a resistência a alguns temas devido à forte influência religiosa das famílias agricultoras e a opressão machista e capitalista da sociedade que, tanto quanto às mulheres da cidade, atinge as do campo.

“O machismo que chega no campo é intercontinental, com o avanço do capitalismo aumenta a necessidade de resistência a esse sistema que transforma nossa cultura em negócio”, reflete Lourdes.

As situações de opressão no campo aparecem de diversas formas. Se a violência física é uma realidade escancarada, a violência psicológica também é uma constante. Ela aparece de forma sutil, como quando se oferece um canto de terra improdutiva para que as mulheres plantem seu quintal. Ivete Margarida Andrioli, camponesa e militante do MMC, questiona a desvalorização do trabalho da mulher. “A gente não quer um pedaço de terra ruim, queremos escolher um pedaço de terra boa para plantar, queremos quintais produtivos para mostrar o quanto aquele pedaço de terra significa na economia na produção de alimentos para a casa e para a alimentação saudável”, ressalta.

Para Rosane Bertotti, dirigente da FETRAF/Brasil, o feminismo no campo é a prática do viver e precisa causar mudanças no espaço onde ela está. “Não dá, enquanto movimento organizado, para a gente discutir pautas feministas e a mulher do campo não se sentir parte desse debate. Precisamos mostrar para ela o quanto aquela pauta tem relação com o modo de vida dela e a forma com que ela é tratada”.

Mulheres camponesas levaram suas bandeiras de luta e ferramentas de trabalho ao palco principal do Mundos de Mulheres. Foto: Silvia Medeiros

A luta pela terra no palco no Fazendo Gênero
As quatros conferências previstas na programação do 13º Congresso Mundos de Mulheres (MM) e do Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 (FG) estão sendo iniciadas com apresentações performáticas pelos diversos movimentos de mulheres.  Na terça-feira (1), foi a vez das camponesas levarem suas bandeiras de luta e ferramentas de trabalho ao palco principal do evento, no auditório Garapuvu. Os ritos performáticos e musicais das místicas são práticas tradicionais do movimento de luta pela terra.

Assista à mística das mulheres do campo da noite de terça-feira no auditório Garapuvu da UFSC/Florianópolis.

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