Por Renata Rodrigues.
No último Dia Internacional das Mulheres, uma ficha recaiu pesada sobre meus ombros. Desde o dia 13 de dezembro, meu filho mais novo está fora de casa. São quase três meses desde que foi passar férias com o pai na cidade de Chapecó e não retornou. Na sexta-feira, muitas receberam flores. Eu sigo contando os dias que meu filho está longe, contabilizando a montanha de dinheiro gasta com advogados e passagens aéreas, e refletindo sobre o significado das palavras alienação parental e seus efeitos nefastos sobre a vida de algumas mães e filhos. O sorriso e o abraço que poderiam aplacar meu espanto e minha dor, não sei quando, como e se virão. Mesmo sendo uma mulher que não vive despedaçada, está difícil seguir.
Desde que me separei, no ano de 2013, enfrento um litígio com o meu ex-marido que envolve a guarda dos meus filhos. Durante boa parte desse período, essa disputa esteve judicializada. É uma loucura pensar que tive que esperar quase quatro anos para obter uma sentença que me assegurasse o direito de fazer em paz aquilo que eu tinha feito durante a vida inteira: cuidar dessas duas crianças. Escola, banho, comida, correria, dever, acorda, dorme, tudo que qualquer mãe de classe média faz e sabe bem como é. E durante um breve período de tempo, tive a ilusão de que ter obtido uma decisão favorável a mim era suficiente para me proteger.
Mas eu estava enganada. E essa descoberta aconteceu da maneira mais dolorosa possível. No final do ano passado, o pai simplesmente ignorou (e continua ignorando) a decisão judicial. Não devolveu meu filho na data combinada e ingressou com uma ação de guarda em Santa Catarina com alegações que fariam estudiosas de estereótipos de gênero ir ao deleite.
Quem aí ainda lembra da declaração do General Morão a respeito de mães sozinhas e seus filhos desajustados? Pois é. Meu filho é uma criança saudável, amorosa e inteligente, peso correto, rendimento escolar normal, nunca adoeceu gravemente. Um menino comum. Estudava numa das melhores escolas da Rio de Janeiro. Crescia, dizem que se parece comigo, que é a minha cara.
Quando estava com boa vontade, ia comigo aos ensaios do bloco Mulheres Rodadas, do qual sou fundadora, chegou a se arriscar no agogô e no timbal. E chegou a me acompanhar em outras atividades de ativismo e militância. Convivemos em harmonia durante anos. Se mostrava agressivo e insatisfeito quando retornava de feriados e períodos de férias, o que se intensificou notavelmente após julho de 2018.
Apesar dos meus esforços, não consegui ter o aval de um homem que durante anos se esmerou nas críticas e jamais, jamais ofereceu parceria real. Por sua conta e risco, agindo de maneira completamente irresponsável esse pai decidiu mudar meu destino e o destino do meu filho de maneira unilateral, movido a ódio, passando por cima de uma decisão judicial, dificultando que outras sejam cumpridas. Da noite para o.dia vi meu contato com meu filho se limitar a algo residual: não sei quase nada sobre sua rotina e não sou consultada a respeito de qualquer decisão.
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O pai montou um cenário de hostilidade a mim no qual o ator principal é ele, seguido de perto por familiares e inúmeros advogados. Chegou a mobilizar pessoas para me gravar dentro do fórum de Chapecó, agindo como se eu oferecesse algum risco ao meu filho, numa cena dantesca presenciada pela própria criança.
Eu não sabia que era possível reverter a guarda de uma criança de forma tão abrupta sem sequer ouvir sua mãe. Eu também não sabia que uma escola está autorizada a matricular uma criança em outro estado sem sequer dar um telefonema para a guardiã legal dessa criança, no caso, eu. Eu tive que ligar de colégio em colégio da cidade para saber de qual se tratava. A escola alega defender a atenção a criança na garantia da vaga mas não especifica em que condições esta matrícula foi aceita.
Meu filho continua com o pai de maneira completamente irregular, tendo uma cidade inteira como testemunha deste processo de alienar da vida de um menino a figura de sua mãe. E isso nos aponta outras questões. Cabe indagar aqui por que é possível para um homem proceder desta forma sem que haja qualquer julgamento ou pressão social. Chapecó, cidade onde vive, é a terceira localidade de Santa Catarina mais violenta para mulheres, o terceiro com o maior número de feminicídios. O Brasil continua vivendo uma situação terrível quando o assunto é a violência contra a mulher e as agressões de toda sorte a nós perpetradas.
Meus vizinhos não compreendem. As famílias da escola onde estudava meu filho no Rio de Janeiro não compreendem. Meus amigos não compreendem. Minhas amigas constatam confusas que todas elas, todas nós, mães, estamos em risco. Eu tampouco sei como explicar. Não fosse pelo feminismo, que me ensinou que a violência e ódio contra as mulheres é algo que estrutura nossa sociedade, eu não saberia como compreender que até o presente momento, sem uma decisão judicial que o ampare, esse homem tem poder não só para manter meu filho longe como para praticamente impedir, da noite para o dia, que eu tenha qualquer acesso a ele ou que possa tomar decisões simples sobre seu dia a dia. Sem o aval de um homem, perdi minha carteirinha de boa mãe, minha licença para maternar.
Nesse caminho, já conheci inúmeras outras que viveram situação análoga. Gastaram tudo. Estiveram perto de enlouquecer. Viram ruir suas relações com seus filhos. Vítimas de um tipo de violência duplamente invisível: a crença social é a de que mães jamais são afastadas de seus filhos. E processos que envolvem menores de idade correm em segredo de justiça e não podem ser comentados. Por isso, não raro são arena para todo tipo de aberração, preconceitos, mentiras e misoginia.
Esperemos juntas que a justiça do Rio de Janeiro, onde está homologado o acordo já citado, se manifeste com o máximo de celeridade sobre o meu caso e me dê uma mínima possibilidade de restabelecimento da minha relação com o meu filho. E precisamos pensar em formas de punir de maneira mais severa pais que afastam arbitrariamente mães de suas crianças, que empregam de má fé processual e de mentiras para perpetuar em seus filhos o machismo com o qual eles teimam em nortear suas vidas e assegurar seus privilégios.
*Renata Rodrigues é jornalista, ativista e fundadora do Bloco Mulheres Rodadas.