Chego em casa depois de cinco dias consecutivos discutindo políticas feministas com muitas mulheres feministas e suas respectivas (ou não) organizações e me deparo com esse toma-lá-da-cá de textos sobre a presença de feministas em um TV aberta, a bendita mídia de massa. Li tudo e fiquei pensando no quanto esse campo política permanece em disputa acirrada.
Bem como foi os dois encontros que participei: o primeiro “Diálogo Mulheres em Movimento: Direitos e Novos Rumos” com mulheres diversas (brancas, negras, indígenas, jovens, putas…), o segundo “Encontro – Rede de Ciberativistas em Defesa das Mulheres Negras”, só com mulheres negras jovens. E nenhum desses espaços foi isento de disputas, seja para conseguir apoio político naquilo que você considera importante pautar e levar adiante como ferramenta de atuação, seja para conseguir uma fala garantida na lista enorme de inscritas.
Observando tudo agora, depois desses momentos, entendo que essas tensões são o combustível pra continuarmos articulando pensamentos e ações; ainda que eu veja como ruim ter como alvo quem tá sentada ao nosso lado no barco furado, acho ser pertinente questionar porque é aí que mais engrenagens se movimentam, independente se apoiamos ou não. As estruturas vão se movendo, nossas íntimas estruturas cognitivas vão adquirindo novas percepções e contrastes.
O que eu acho mais interessante é perceber nossas contradições em “super-ações”. Elas sempre vão existir, acredito eu, porque essa dimensão humana não cabe na teoria e se esvai das nossas mãos feito pó na tentativa de conte-las ou explicá-las.
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O certo é: falem dos feminismos! Em todos os lugares. Enquanto umas criticam as que falam na TV, outras organizam Greve Geral Mundial das Mulheres; enquanto umas fazem programa de televisão ou rádio pautando demandas dos movimentos feministas e de mulheres, outras constroem encontros e formalizam redes políticas de enfrentamento ao racismo; enquanto umas citam Nancy Fraser, outras mantém viva a inteligência ancestral de Luiza Mahin à Luiza Bairros.
Entre outras tantas distâncias em tipos de atuação pelos debates feministas, a única coisa que eu entendo como bem delimitada (e por isso, a cerne do incômodo), é o comprometimento político de não negociar o anti-racismo e se fazer instrumento-corpo levando, primeiramente, a presença negra em espaços majoritariamente brancos e elitistas.
Em outras palavras, da Tia Má: Tira o sapatinho e bota o pé no chão, bê! Os feminismos vão estar aonde a gente menos espera que esteja, aonde a gente menos deseja. E isso pode ser entendido diferentes coisas… Mas não será menosprezando a contribuição política das mulheres que a gente vai conseguir percorrer as utopias que defendemos. Elas são diversas, os caminhos são diferentes mesmo e vamos ter de lidar com isso. Para o bem ou para o mal, quem tem a cara estampada num programa de TV não fala por si só (como querem interpretar equivocadamente), fala por uma contingência de mulheres e suas urgências pela existência em vida, pelo bem- viver, pela necessidade de romper com os silêncios históricos.
Enquanto continuarmos falando, será a prova fatídica de que pensamentos feministas estão se aprofundando e movimento a opinião pública. Isso é sinal de que essa luta histórica deu muito certo e que, de fato, precisamos voltar a entender dialeticamente nossas contradições e entraves políticos de formas produtivas, que nos rendam algo. Neste caso, visibilidade para questões feministas, tem sido o produto final de curto prazo.
Eu acho é pouco!
*Jéssica Ipólito é gorda, sapatão, militante feminista e escritora do blog e revista www.gordaesapatao.com.br