A preocupação atual dos movimentos sociais gira em torno do atual (des)governo brasileiro. Nos primeiros dias de 2019, o Governo Brasileiro retirou as pautas de pessoas trans do site do Ministério da Saúde, assim como tem investido contra a afirmação dos direitos da população LGBTI e promovido um debate catastrófico, e muito perigoso, a respeito da chamada “Ideologia de Gênero” como forma de estigmatizar estudos e ativismos sobre a temática.

A discussão proposta pela ministra Damares Alves passou despercebida para muitas pessoas, mas era diretamente um aviso às pessoas trans, de que não serão toleradas neste regime de quatro anos. A “nova era” anunciada por um governo que impõe a bíblia em substituição ao texto constitucional desafia movimentos sociais a continuarem lutando de forma ainda mais integrada para garantir e ampliar direitos. Caso tenha na sua cidade algum movimento social relacionado à causa que você mais se identifica, corre para a militância. Precisaremos e muito!

A maioria dos avanços que a população de pessoas trans e travestis obteve no Brasil nos últimos anos ocorreu por via judicial, como por exemplo, o extraordinário julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da alteração de prenome e gênero no assentamento de registro civil a ser realizado de forma administrativa, trazendo direito à personalidade da pessoa, e direito à dignidade. Tivemos o acesso ao título de eleitor com nome social, podendo votar pelo nome social, e sermos candidatas e candidatos reconhecidos pelo gênero como melhor nos identificamos.

No caso de mulheres trans e travestis também podendo acessar o fundo partidário destinado a mulheres nas eleições. Em Santa Catarina tivemos quatro candidaturas de pessoas trans e travestis nas eleições de 2018, com boas votações e muita representatividade.

Em 2018 tivemos a remoção da transexualidade como uma patologia de origem mental, e alocação como uma patologia relacionada à incongruência de gêneros. A decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS) de manter a transexualidade na lista de patologias trata-se de uma estratégia para assegurar o direito às cirurgias de transgenitalização e mastectomia, como ocorre gratuitamente pelo SUS.

Pouquíssimos foram os avanços no legislativo, reflexo de um país sendo representado por pessoas com preconceito e que legislam para poucos. Em Santa Catarina, foi aprovada uma Lei Estadual (PL 0048.6/2017) de autoria do Deputado Cesar Valduga (PcdoB), com articulação da União Nacional LGBT de Santa Catarina e das Mães pela Diversidade de Santa Catarina, permitindo transexuais e travestis o uso do nome social no âmbito da administração pública estadual, direta e indireta, autárquica, fundacional e nas escolas públicas de Santa Catarina.

A presença de travestis e transexuais no “mundo heteronormativo” é bem restrito. Dificilmente você encontrará uma pessoa trans circulando em espaços públicos. Isso acontece, pelo desconforto que trans sentem ao estarem nesses espaços, seja pelo olhar discriminatório, por perguntas desnecessárias que sofremos, e até mesmo por “medo” da população em geral com a nossa presença e vice-versa.  Isso acontece porque pessoas trans e travestis formam o grupo que mais sofre marginalização no país.

A expectativa de vida de pessoas trans no Brasil é de 27 anos a 35 anos e mais de 90% delas alcançam seu sustento financeiro por meio da prostituição. A maioria das pessoas trans e travestis é “convidada a se retirar” do seio familiar em geral aos 15 anos, devido ao preconceito e falta de informação nas famílias sobre o tema.

Pessoas trans e travestis são resistência porque precisam vencer o preconceito em suas próprias casas. Quando tiramos uma travesti das esquinas de prostituição e a posicionamos na sala de aula de alguma universidade, fazemos revolução.

Quando pessoas cis sofrem injúrias da sociedade, recebem o apoio familiar e de amigos quando retornam às suas casas. Mas, em geral, no caso de pessoas LGBTI, o preconceito, as injúrias, todas as violências acontecem dentro de nossas casas. Precisamos e muito falar da exclusão de pessoas trans nas famílias e, consequentemente, na sociedade.

Mas como a nossa sociedade pode ajudar a melhorar a vida de pessoas trans e travestis? Bom, caso você seja empresária ou empresário abra as oportunidades também para pessoas trans e travestis dentro de suas empresas. Caso você tenha tempo livre, ajude uma pessoa trans a estudar ou a incentive a ter acesso à educação. Porém, caso você não conheça uma pessoa trans, deixo também um manual de boas práticas para conversar. Sei também que muitas pessoas sentem “nervosismo” ao falar com uma pessoa trans com medo de acabar dizendo alguma besteira. Vejamos algumas dicas:

1- Não pergunte meu nome de registro. Se eu me apresento a você como Mariana, é como Mariana que quero ser tratada.

2- Não pergunte se fiz a “cirurgia de mudança de sexo”.  Você fazendo isso está perguntando qual é meu órgão genital e isso é assédio sexual. E ninguém muda o sexo, apenas readequada o corpo à mente. A cirurgia se chama transgenitalização ou redesignação sexual.

3- Não puxe meu cabelo perguntando se é natural. Muitas trans usam apliques, perucas, e você puxando, pode vir tudo abaixo e constrangendo a pessoa em público.

4- “Nossa você parece uma mulher de verdade”. Isso não é um elogio afinal qual é o padrão para ser uma mulher de verdade?

5- Você é assim, 24 horas vestida de mulher?  Existe uma grande diferença entre transexuais e travestis, e drag queens. Travestis e transexuais vivem a sua vida como pessoas da sociedade o dia todo. Diferente de Drag queen que se veste para uma apresentação, ou seja interpreta uma personagem.

6- Homens trans são homens. Muitos utilizam o chamado “binder” para socialmente não apresentar o formato dos seios. Então é muito indelicado você perguntar se ele está com alguma faixa por baixo da camisa, ou de alguma forma tentar apertar. Homens trans realizam a retirada das mamas, e alguns podem ficar com cicatrizes. Não pergunte a eles o porquê das cicatrizes.

7- Transexuais e travestis, não necessariamente, são heterossexuais. Transexualidade e orientação sexual são coisas diferentes.

8- Não peça fotos antes da transição, a menos que ela ou ele se sintam confortáveis para mostrar.

9- Não pergunte quais são as minhas preferências sexuais. Elas são minhas e de quem me relaciono. Dependendo do contexto, a insistência pode ser considerada assédio sexual.

10- Quando uma pessoa trans e travesti está te olhando, não precisa ficar com medo ou tentar ser agressiva com essa pessoa. Faça amizade. Não é porque está te encarando que está a fim de você, do seu ou sua crush. Somos pessoas normais, também flertamos, também fazemos amigos, também queremos viver em sociedade e equidade.

Por incrível que pareça para algumas pessoas essas perguntas são sem sentido, mas para quem é trans, convivemos diariamente com elas. Mas agora você leu essa matéria e provavelmente vai indicar para seus amigos e familiares para não cometer gafes. Vamos viver uma sociedade com muito amor, carinho e respeito mútuo. Que tenhamos união, afinal 2019 a 2022 será de muita luta!

 

 

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  • Mariana Franco

    Mariana Franco é formanda em Serviço Social pela UFSC, Colunista no Portal Catarinas, Pesquisadora em Direitos Humanos n...

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