Poéticas da convivência: um próspero ano novo
seria
se você tivesse usado uma calçinha nova na virada, menina
agora as folhas caem
as máscaras não
são tão velozes como máquinas
vamos, trabalhe
mais rápido
mais raso
mais perto
do fim
da vida?
não
a vida é o mico leão que faz do fio de luz seu cipó
ignorando a chance de morrer eletrocutado
há alguns anos
na subestação de energia
um primata calculou mal
o tamanho das próprias pernas
o tamanho do próprio rabo
e fechou o circuito com o corpo
e da janela do apartamento
viram-se as luzes coloridas
tons fosforescentes de rosas e verdes
que anunciavam o apocalipse
o fim da vida silvestre
o bairro passou dias sem luz
os micos continuam correndo pelos fios
e não tornaram a errar o cálculo
vocês estão me ouvindo?
desliga seu microfone.
não há de ser nada
não é o fim dos tempos
um clarão laranja a noroeste?
reflexo do sol que se põe no banhado
não há de ser nada
deve ser só a fumaça
olhos vermelhos salgados
difícil ver adiante
o ar áspero
logo chove e passa
não há de ser nada
a gente vai se cheirar sem medo
sentir o cheiro quente da respiração
hálito de camomila, de café, de cachaça
a gente vai sentir nosso cheiro de bicho
e também nossos perfumes sintéticos
essências concentradas do nosso almíscar
óleos de flor de lavanda e laranjeira
não há de ser nada
seu microfone está desligado
vocês estão me ouvindo?
os ruídos formam uma música estranha
são tempos desconexos
o odor da peste eu imagino
os cadáveres incinerados
as previsões governamentais
e as perspectivas hipócritas
de poder voltar
para uma casa
reduzida a cinzas
eu não consigo respirar
os dias são quase todos iguais
não há de ser nada, menina
da próxima vez não deixe de pular as sete ondas
ou setenta vezes sete
para talvez evitar o acúmulo sucessivo das desgraças
preste atenção à coreografia
a boca o pescoço as mãos
congeladas na tela
obedecemos ao protocolo
bom dia boa noite por favor obrigada
não há de ser nada
nossas reuniões
exposição expressionista
Poema Coletivo.