PL 1904: Jesus não apoiaria este projeto de lei
As maiores vítimas, caso o PL 1904 seja aprovado, serão as meninas e as pessoas com deficiência intelectual, ou seja, as mais vulnerabilizadas.
Com uma manobra temerária de Arthur Lira (PP/AL), a bancada conservadora, com grande protagonismo da bancada cristã (evangélicos, católicos e kardecistas), aprovou a urgência da votação do Projeto de Lei 1904/24, proposto pelo Deputado Federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ). O referido PL tem como objetivo alterar o código penal brasileiro e equiparar o aborto de fetos com mais de 22 semanas a homicídio simples, mesmo nos casos de estupro.
É necessário que saibamos que as maiores vítimas, caso esse PL seja aprovado, serão as meninas e as pessoas com deficiência intelectual, ou seja, as mais vulnerabilizadas. Uma vez que meninas e pessoas com deficiências são as vítimas que a família apenas descobre que estão gestantes quando a barriga começa a crescer, depois de quatro ou cinco meses. Crianças e pessoas que sequer sabem que estão sendo abusadas, são as que costumam realizar abortos tardios, ou seja, após as 20 semanas.
Veio a público que mulheres e meninas que estavam em situação de abrigamento, no contexto das tragédias do Rio Grande do Sul, foram vítimas de abusos dentro dos abrigos. Assim, não há como a gente não relacionar a necessidade da luta por dignidade das mulheres com toda e qualquer situação que vivamos.
Em situação de vulnerabilidade, as chances de abuso sexual aumentam, justamente pela falta de segurança, apoio e redes de proteção. Essa classe média brasileira que acredita estar protegida e intocada, não percebe que ela está muito mais próxima da extrema vulnerabilidade do que os políticos que acreditam a representar.
Meninas e mulheres que em dia tinham casas, no outro passaram a viver em abrigos e a não terem seus próprios corpos protegidos. Perderam suas casas e seus direitos humanos. E é sobre isso que temos que pensar. Se esse PL absurdo for aprovado, como essas meninas do Rio Grande do Sul, caso venham a engravidar destes abusos, vão ficar? Em um momento que elas não têm qualquer suporte, como terão o direito a interromper essas gestações com toda essa cruzada criminosa contra os direitos delas aos próprios corpos?
Vivemos em um contexto, em que não importa qual situação você esteja passando, você ainda precisa se preocupar com um possível abuso. Como o caso do genitor que foi preso após abusar da filha de 17 anos internada em uma UTI, que estava utilizando até fraldas. Caso essa menina venha a ficar grávida, e só descubra após 22 semanas, ela deverá gestar o próprio irmão?
É disto que esse PL trata: que meninas abusadas em situação de vulnerabilidade social, de saúde, dentre outras situações, tenham que ser mães.
Enquanto sociedade, já falhamos quando essas meninas precisam enfrentar a fome, a enchente, a evasão escolar e tantas outras injustiças às quais elas são submetidas no contexto de desigualdade social e de gênero brasileira. Agora, ratificamos a nossa incapacidade de proteger essas meninas da violação sexual.
Eu sempre me pergunto: a quem interessa que meninas sejam mães? A quem interessa que meninas e mulheres vulnerabilizadas, que descubram gestações frutos de estupro com a idade gestacional avançada, não acessem ao aborto permitido por lei? E a resposta que me vem imediatamente é: a um sistema que vive da exploração das pessoas pobres.
Crianças nascidas de abusos, em situação de tragédias climáticas e sociais, são potenciais trabalhadoras precarizadas. São àquelas que serão submetidas a trabalho análogo a escravidão; que serão entregadoras de aplicativos sem qualquer direito; que serão exploradas sem garantias de dignidade alguma. Pessoas que não têm qualquer proteção a vida, que continuarão neste ciclo de exploração e abusos.
Segundo o deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG), “o médico que realizar um aborto acima do quinto mês de gestação, será punido com as mesmas penas do crime de homicídio. É um momento crucial para avançarmos na proteção da vida!” A vida de quem? A imoralidade deste projeto está no fato de tratar como assassina a vítima e não se preocupar em combater a real causa do problema das gestações indesejadas na infância: os abusadores.
E a Bancada Evangélica tem grande protagonismo nesta seara. Ao atrapalhar toda e qualquer ação que se queira ter em relação à educação sexual e de gênero, a capacitação de profissionais de saúde e educação para que estejam atentos a todos os sinais de abuso, dentre outras medidas que podem ajudar a proteger as infâncias dos abusadores. Disto não se fala.
Pelo contrário, essa bancada apoiou um presidente que rasgou da caderneta da saúde do adolescente as páginas sobre educação sexual. Que disse que a educação pública não deveria se deter a este tema. Ou ainda, uma bancada que propõe leis como o “Eu escolhi esperar”, projeto que virou Lei, em Vitória, no Espírito Santo, que incentiva a abstinência sexual dos jovens como forma de prevenir a gestação precoce. São narrativas que culpabilizam os adolescentes e jovens por suas sexualidades, não combatem o abuso sexual infantil e ainda querem que meninas sejam mães.
Eu, como mulher evangélica, me recuso a acreditar que Jesus apoiaria esse tipo de Projeto de Lei. Enquanto homem periférico, que conhecia as vulnerabilidades do povo e que chamou as crianças para o centro da sociedade, reconhecendo-as como indivíduos, Ele não apoiaria essa causa horrorosa. Quando Jesus enfrentou os discípulos e disse “deixai vir a mim as criancinhas”, Ele mostrou que as crianças eram tão importantes quanto qualquer liderança religiosa.
Jesus olhou para as crianças e disse: venham a mim, porque temos que ser como vocês: corajosas, alegres, espontâneas. O que essa bancada evangélica tem feito dia após dia, é controlar os corpos das crianças: matando sonhos, matando a dignidade, acabando com vidas que são tão importantes para Jesus.
Aos deputados que aprovaram a urgência da votação deste PL, e que trabalham para que se transforme em lei, eu digo: não em nosso nome! Não vão aprovar mais um ataque às meninas desse Brasil, em nome das mulheres evangélicas. Basta!