Me perguntei diversas vezes ao escrever este texto: por que falar do medo, este sentimento tão presente em nossas vidas? Ter medo é ruim? É necessário? De quais medos sofremos hoje? E as mulheres, quais medos elas têm? Do que as pessoas têm medo?

Medo – do latim metus – significa temor, receio, apreensão, inquietação diante de uma ameaça real ou imaginária.  O sentimento de medo está nas mais triviais situações cotidianas, mas nenhum deles é mais amedrontador que o medo da morte. Na esteira, os medos da traição, da violência, da tortura, do inferno, da desonra, da fome, da dor, do escuro, das doenças; sobretudo, da morte. 

A filósofa Marilena Chauí1 incita para pensar que cada época constrói seus deuses e demônios, e o faz conforme convém a este ou aquele grupo de interesse – comunistas, bruxas, judeus, mouros, asiáticos, mulheres, indígenas, estrangeiros, árabes, católicos, pobres, refugiados, ateus, migrantes, sobre os quais convergem discursos que incitam ao ódio e ao poder de uns sobre a maioria.

Quais medos nos acometem hoje? Somados aos medos citados, ronda no mundo o espectro de fim dos tempos. Sei, pela história, o fim o mundo já foi anunciado por milenaristas, pastores, padres, sempre com a ameaça do inferno. Hoje, sabemos bem, o inferno é aqui. 

Os discursos de ódio povoam imaginários alimentados pela insanidade dos poderes que controlam o mundo. A incertitude quanto ao futuro nunca, pela história, apreendeu tanto as emoções quanto hoje: o fim do mundo estará próximo? Não, não vai acabar numa alavanca que detone tudo com uma bomba de alcance inimaginável. 

Todavia, é certo que decisões de homens que usam paletós, gravatas, turbantes, coroas, bíblias, gorros de pele, quepes estão levando o planeta ao desastre inevitável. Fala-se muito sobre este caos climático, mas as ações efetivas, essas ficam nas promessas, nas poucas iniciativas para conter o desastre, como podemos depreender, inevitável. Pessimista, eu sei. 

O que tememos? Conservadores e a ultradireita berram contra o comunismo, os direitos das mulheres e das minorias, a vivência da sexualidade fora do padrão heteronormativo, as religiões africanas e toda e qualquer ação que emancipe, faça pensar. Igrejas confiscam almas em nome do ódio no uso da imagem de um deus vingativo e ameaçador, alçadas na teologia do domínio – mancomunados ao capitalismo e ao neoliberalismo. Aquele deus benevolente perdeu o trono; agora se vinga e elimina os seus “hereges” inimigos. O culto a Israel que o diga.

As pessoas que estão fora deste círculo denunciam e temem que os ódios dizimem as democracias e tudo o que elas representam. Temem a fúria das religiões fundamentalistas, o nazifascismo, a crise climática em todas as manifestações – a fome, as pestes e vírus, o fogo, enchentes, CO2, furações, tornados, calor e frio extremos, secas, desertificação, lixo tóxico, agrotóxicos, a escassez da água, o degelo e a consequente elevação do nível do mar, o efeito estufa, extinção de plantas e animais, impactos na saúde que levam, inevitavelmente, à morte. 

Temem as guerras e todas as consequências desastrosas para a vida e a humanidade. Neste tempo em que a inteligência artificial, a redes sociais em todas as suas formas espalham mentiras, viciam e aliciam jovens e adolescentes (não somente estes), seduzem com ideologias destruidoras, o que é crível?  

Já estamos numa sociedade de absoluto controle que se impõe sobre todas as instâncias sociais, num cenário cinzento, opressor, tenso e amedrontador – lembro de 1984, de George Orwell, o filme que retrata este caos e isto faz quarenta anos. E, de O conto da Aia e o controle absoluto sobre os corpos das mulheres. Distopias? Fim das utopias. Disto, também temos medo. 

As mulheres estão neste mundo de medos. Sobre elas recai a parte mais, muito mais pesada na manutenção e reprodução da vida. Todos os medos acima citados as condenam ao medo pela vida dos filhos e das suas próprias.

Somado a estes medos, elas têm medo dos homens. Numa sociedade patriarcal, masculina, a posse do corpo da mulher atesta virilidade, macheza, masculinidade, valentia e, sobretudo, poder. Na defesa da honra, violentam as mulheres.  

Vivemos sob a ameaça das armas, das intempéries, das guerras e dos homens. O Seminário Internacional Fazendo Gênero13 – contra o fim do mundo: anticolonialismo, antifascismo e justiça climática (Florianópolis, 2024) trouxe esta discussão para o debate e proposições.  São as mulheres denunciando as violências, a destruição do planeta e o arsenal de armas e ideários destrutivos O fascismo e suas ramificações, sabemos, tem na pauta o sexismo, o preconceito às mulheres, a misoginia, o culto à virilidade e o consequente controle sobre seus corpos.

Elas foram e continuam sendo butins de guerra. Mulheres e crianças são sistematicamente mutiladas, violentadas, estupradas e mortas nas guerras. Pela história da humanidade, violar mulheres e meninas é um ritual para punir e humilhar as vítimas e atingir a sociedade e, em consequência, subjugar e aviltar a honra dos homens do exército inimigo. Acontece hoje em Gaza, Sudão, Somália, Iêmen, Ucrânia, Palestina e noutras guerras. Está acontecendo agora. O corpo é político. Sempre foi.

No cotidiano ordinário, as mulheres são, na quase totalidade, as vítimas da sedução, de assédio e de estupros sendo verdadeiro que o maior medo das mulheres é o de serem violentadas, violadas. No Brasil, hoje, uma mulher é estuprada a cada seis minutos, sendo que cerca de 70% dos casos envolvem estupro de vulnerável, com vítimas menores de 14 anos. As mulheres já nascem com um medo de origem: ser mulher. O medo é real. 

Todavia, o medo também pode ser positivo e saudável quando ativa a cautela no sentido de evitar situações perigosas, no cuidado de si na prevenção de violências. Mas, por que as mulheres têm medo dos homens?  

De novo, a cultura as educou para obedecer, agradar, silenciar e sujeitarem-se ao pátrio poder. Quando se insurgem, são atacadas e até mortas. Quando ascendem ao espaço público, são desqualificadas, como acontece nos casos de violência política de gênero. Quando se vestem como querem são vistas como oferecidas. Quando abortam, são tidas como desnaturadas. Quando dizem não, nem sempre entendem que não é não. 

Vivemos sob ameaças. Enfrentar é inadiável. Que possamos transformar o medo em um motor de mudança, em um combustível para a ação. As mulheres, historicamente silenciadas e subjugadas, têm demonstrado uma força incrível ao denunciar as violências e lutar por seus direitos. 

A esperança é um sentimento poderoso que nos impulsiona a seguir em frente, mesmo diante dos desafios do nosso tempo. Ao nos conectarmos com outras pessoas, ao buscarmos conhecimento e ao nos engajarmos em causas justas, podemos construir um futuro mais justo e equitativo para todas nós.

Nota de rodapé

1 –  CHAUÍ, Marilena. Sobre o medo. In: CARDOSO, Sérgio et alii (orgs). Os sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. P. 35-75. 

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  • Marlene de Fáveri

    Marlene de Fáveri, natural de Santa Catarina, Historiadora, professora Aposentada do Departamento de História da UDESC....

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