Maternidade e home office em pandemia: quando (des)conectar é preciso
Por Jaqueline A. Maccoppi.
Engana-se quem pensa que home office é puro privilégio. De certa forma é: os dados mostram que o teletrabalho atinge apenas parcela das/os trabalhadoras/es – na sua maioria militares e servidoras/es estatutárias/os com ensino superior completo ou pós-graduação.
Mas, quem é mãe sabe bem como tem sido desafiador entrelaçar vida familiar e ambiente de trabalho no mesmo espaço, durante o isolamento social. Embora maternar nunca tenha sido uma função fácil, o desafio se tornou ainda maior por conta da quarentena e a consequente diminuição das redes de apoio familiar, bem como o fechamento das creches e escolas. Sem considerar as dificuldades – ainda maiores – das mães que precisam trabalhar fora de casa e não têm com quem deixar os filhas/os, conciliar trabalho remoto e maternidade pode ser bastante problemático.
A começar pela confusão no ambiente familiar. Quem é mãe sabe que, por melhor que seja a divisão dos espaços da casa, dificilmente consegue trabalhar por muitas horas sem que seja interrompida por gritos, choros e pedidos dos mais mirabolantes. Para amamentar. Para dar comida. Para trocar fralda. Para trocar o desenho. Para dar colo. Ou, simplesmente, para dar atenção.
Quem é mãe de filhas/os pequenas/os provavelmente trabalha com um olho no computador e outro no filho. Quem é mãe de filho em idade escolar precisou virar professora, fazer exercício de matemática de novo. Todas elas, independentemente da fase maternal, tiveram de ressignificar o sentido da maternidade, tiveram de aprender a conviver com a culpa de estar presente, mas não ser presente.
E as tarefas das mulheres-mães são inúmeras, não é preciso elencar os trabalhos domésticos para destacar, ainda, todo o resto que envolve ter uma família com filho(s). Ainda que possam contar com o companheiro/marido e pai consciente de seu papel, é inegável que a sobrecarga é desigual, sempre recaindo de forma mais acentuada sobre a mulher.
Para as mães-solo, sobretudo, que não raramente precisam trabalhar em jornadas duplas ou triplas para suprir as necessidades da família monoparental, pode se tornar uma jornada impossível.
Embora exista um imaginário social constituído sobre a ideia de que as mães são “guerreiras”, a bem da verdade, são apenas mulheres inseridas num sistema difícil de subverter e é preciso questionar as regras que insistem em mantê-lo. Cuidar das/os filhas/os é uma função social que precisa de tempo, dedicação e responsabilidade. Conciliar com a função de servidor em home office tem suas complicações e, por isso, exige iniciativas por parte do Tribunal de Justiça.
Algumas questões específicas em relação ao gerenciamento de rotina são imprescindíveis para que a servidora mãe tenha condições físicas e mentais de exercer sua função. Há que se atentar ao aumento nas exigências de permanência de conexão ao chefe do setor, via computador ou smartphones, fora do período de trabalho, bem como às altas metas de produtividade, o que vem comprometendo o tempo de descanso, lazer e cuidados das/os filhas/os.
Neste contexto, vale mencionar o projeto de lei n. 4.044/2020, que pretende implementar o direito à desconexão, consistente na “fruição, pelo empregado, de seu tempo de folga, a fim de garantir seu direito à saúde, ao lazer e à vida privada”, mediante algumas medidas, tais como proibindo o empregador de acionar o empregado por meio de serviços telefônicos ou virtuais fora do horário de trabalho e sua exclusão dos grupos de trabalho virtuais durante o gozo das férias, diminuindo as preocupações e ansiedades relativas aos acúmulos de trabalho pela pausa na função.
Embora não diga respeito às/aos servidoras/es estatutárias/os, nem seja de todo suficiente, são adaptações rotineiras de simples aplicação e que, na prática, fazem diferença no bem-estar. No mesmo sentido, outras alternativas podem ser adotadas na tentativa de reduzir a sobrecarga e os problemas advindos da confusão de funções: ajuste de metas, flexibilidade de horários, rodízios, espaços de fala para compartilhamento de vivências no trabalho, etc.
Para que este cenário caótico de crise sanitária seja ultrapassado sem maiores consequências às/aos servidoras/es, é preciso que o aprimoramento de questões ligadas à rotina das/os teletrabalhadoras/es seja invocado por toda a categoria, visto que provavelmente continuará sendo o modelo de trabalho de muitos, pelo menos enquanto não mudar o panorama (e, também, depois, em se considerando a provável manutenção de alto número de trabalhadoras/es em home office). Trabalhadoras e trabalhadores com saúde física e mental resguardadas tendem a trabalhar melhor e mais motivados, além de possuírem mais capacidade para lidar com as adversidades do cotidiano, o que sempre retorna positivamente para a instituição.
*Jaqueline A. Maccoppi é lotada na 1ª Vara da Comarca de Araquari, em teletrabalho desde 2015, mãe, pesquisadora e mestranda em Direito do Estado pela UFPR.
**Esse artigo foi publicado originalmente na Revista Valente, do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado de SC (Sinjusc).