Homens latidos, latinos, de lata.
Hoje é o dia. Em menos de 24 horas a consulado lançara seu enredo de carnaval. Escolheram tratar de: Où l’amour sera roi ; leio que é algo sobre a trajetória do homem de lata em busca do sentimento – amor – perseguido por caminhos obscuros. Criado pela humanidade. Paro. E o que isso quer dizer?
Penso. O amor para espíritos femininos é estada da alma. Solto o flyer na cômoda aonde os vasos de argila pairam. Meus ouvidos buscam pelo barulho aterrorizante que está lá fora. São 12 horas após o domingo eleitoral. E no quintal ensolarado, berros!
E, o muro que nos separa me assegura de alguma maneira. Olho para mim.
Em minhas mãos estou segurando com certo conforto uma xícara de café, pelando. Na sacada da casa centenária estou parada, no segundo andar.
Olho por cima das bananeiras e me aparecem jovens correndo em exercício matinal.
São vinte deles, sem camisa. Apenas um vestia branca. O pelotão de meninos repetia o nome do General Ustra.
Estico o pescoço para mirar mais de perto como quem tem binóculos dentro dos olhos e cuidadosamente ajusto meus ouvidos. A repetição do hit em alto e bom som era entoada enquanto os soldados marchavam. À frente o comandante nem tão general pela aparente forma física bate no peito,vociferando, com punhos cerrados.
Curiosa a fim de clarear a cena tento pegar o ruido áspero que ecoa no ar, desta maneira, vou percebendo como a mente desses seres está sendo construída. Eles, os rapazes, só fazem repetir. Verifico! Parecem refletir corações endurecidos amalgamando um tempo passado construído por olhos embotados como se fossem únicos – certos de si.
Respiro!
Batem em retirada, barulhentamente, viram à esquerda sem querer e no meio das árvores desaparecem.
E, pestanejo. Meus cílios fecham e se abrem rapidamente em galicismo parecendo que já estivera nesta cena, como se já estivesse visto aquelas pessoas nos livros de historia, ou, trazidas outrora pelas memórias de conhecidos. E, com gosto de já vi algo assim uma nuvem paira sobre mim: estava enrolada em uma bandeira brasileira, à noite, no centro de Florianópolis ouvindo Ulysses Guimarães; homem sereno, de palavras firmes e lucidas que porquanto ajudou o Brasil a enfrentar momentos críticos.
O Dr.Ulysses estava lá, junto com outros democratas, no palanque, com braço erguido acalmando a todos nós.
Lembranças! E minha mente confirma idos o qual já vivenciei.
São 13 horas. O quintal continua verdejante.
No entanto, o café esfriou.
Porém não desisto do negro liquido. Ponho gelo. Resoluta acrescento umas folhas de hortelã para sorve-lo sem ruido e desejosa de ter ao menos um mínimo de frescor. Por fim sigo com os afazeres do meu particular cotidiano ainda que a sensação de incredulidade toma meu peito. O gramado no fundo da casa me convida. Largo tudo e vou percorre-lo. Como uma peregrina de sensações, caminho. Descalça.
Nua de pensamentos novos. Inconvenientemente aproveito a oportunidade e solto meu ser anuviado, nas disfarçadas nuvens, brandas. Desta vez, vi bananas verdes que me separavam do muro de pedras,esfriadas.
A impressão dos gritos matinais se desarrumavam em mim de igual modo como meus pés distraídos sobre a relva pediam ordem sem o espinhamento do progresso.
Dá uma vontade de brincar de amarelinha pulando de uma casa à outra em riscos de pontes imaginarias.Concluo com um sorriso de que são apenas memorias de prepotência de uma infantilidade exposta. Ali, ao meu lado, do outro lado. Retorno à cozinha e faço bananas assadas com crème brûlée. Percebo que me falta o maçarico e numa risada gentil relaxo comigo mesmo.Não preciso atear fogo; basta aquecer uma colher, é sopa!
Reservo a sobremesa na geladeira.
Quem te viu, quem te vêm, hein?
Enquanto cantarolo Chico Buarque fecho a porta e já em seguida busco o bloco de anotações, vermelho.
Rapidamente as palavras soltas em minha cabeça tomam forma de frases. Apresso-me, pois talvez esteja nascendo uma poesia ou nesse momento poderia ser umas linhas as quais me servem para despejar o tormento, atual. Gentilmente desenho meus anseios com palavras.
Bestas, estas bandeiras flamejantes como jogos, atiram. Retirantes, avante. Dantes bruxas queimadas.
Cheiro de enxofre no ar.
Entre a passagem do breu pra luz paira no céu um tiro.
Buraco esbranquiçado. Paz.
E de lá, sentada na borda o sétimo reino surge a terra.
A minha volta sinto as crianças, sem asas.
Espíritos espiralados que ao ascenderam no eterno tornarem-se consciência.
Gosto do que produzo. Leio as linhas de verdades sentimentais manifestadas em papel que agora me aparecem em tom de sangue. Estou tomada por impressões do que será o amanhã.
O whatsapp faz sinal de mensagem recebida. E já são 17 horas. Corro, para o banho. Ligo o rádio. Rod chega da escola; deixa os livros de filosofia sob a mesa, em cima do banco.Vai ver aquilo que há. Diz quê algo com cheiro duvidoso lhe chama. Assim, ele, descansa.
Eu me acalmo.
Diante do prato da janta, às 20:18 h, consegue contar.
Hoje, em praça pública, uma mulher foi assassinada pelo ex-marido cujo divórcio não aceitou. Amarildo, o jovem aluno, foi quem contou. Ele, o homem, prometeu, complementou. E da janela da sala de aula, aos 13 anos, o aprendiz viu pela primeira vez um feminicídio acontecer.
Primavera/2018. Príncia Béli.