Domingo, primeiro de agosto de dois mil e vinte e um. Nestes dias de ferver de frio, mais torpe é a situação do país… 550 mil óbitos é um número ácido, tétrico. São vozes apagadas, sonhos embotados, uma tragédia que tem culpados, assassinos, genocidas em nome da pátria amada. Patricidas imundos!

Resistência é a palavra. Nas últimas duas semanas aconteceu o Seminário Internacional Fazendo Gênero 12 – Lugares de fala: direitos, diversidades, afetos, reunindo milhares de participantes do país e do exterior. Todo em formato on-line, reuniu pesquisadoras, estudantes, ativistas, artistas, professoras e outros grupos, “reconhecendo a importância das vozes que falam por si e por um comum compartilhado, reivindicando direitos, quando e sempre que o contexto e a força das mediações as ameaçarem de silenciamento”.

A Marcha das Mulheres, por exemplo, expressou toda simbologia do coletivo na representação da diversidade e na força das palavras de ordem, das artes e vozes potentes. Sobretudo, foi um ato político protagonizado pelos movimentos sociais cujas vozes não se calam. Elas, as mulheres, defendem o direito ao corpo tanto quanto o direito de existirem neste mundo e de serem respeitadas.

Destaco as vozes das mulheres indígenas, quilombolas, trabalhadoras do sexo, grupos LBGTQIA+, acadêmicas, trabalhadoras rurais e das florestas, urbanas, da saúde, jovens, idosas, artistas dentre outras categorias que, reunidas na defesa de seus direitos, promoveram o maior encontro mundial de mulheres durante a pandemia.

Dentre os temas, todos imprescindíveis, ficou evidente a preocupação com a vida a partir da urgência de preservação do planeta e o respeito aos valores de todos os mundos. Alimentar todas as pessoas é um dilema mundial e as mulheres se mexem em favor de políticas que valorizem a terra como território onde acontece a reprodução da vida.

Respeitando todas as lutas feministas para assegurar direitos, tomo a voz das protagonistas do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) cujo lema é “A vida do povo em primeiro lugar”. A participação feminina na agricultura familiar – gestão da propriedade compartilhada pela família e os alimentos produzidos nela constituírem sua principal fonte de renda – atinge 80% em comparação à masculina no Brasil, sendo uma atividade que envolve aproximadamente 4,4 milhões de famílias.

Foto: Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)

Embora a luta das mulheres rurais por garantias venha de longa data, a inclusão das mulheres trabalhadoras rurais como beneficiárias (direito à aposentadoria por idade e salário-maternidade) apareceu pela primeira vez na Constituição de 1988. Não foi fácil porque os argumentos machistas empoleiravam-se no Congresso Nacional. Entretanto, a mobilização de mulheres fez concretizar a lei, regulamentada em l994, que estendeu direito delas como beneficiadas da aposentadoria no meio rural, e trouxe autonomia para as mulheres do campo.  

Todavia, foi na gestão do Partido dos Trabalhadores, e também das Trabalhadoras, que esse setor se tornou estratégico para o país. Foi criado o Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, além das linhas de crédito Pronaf Mulher e do Programa de Organização Produtiva de Mulheres Rurais, bem como criados serviços especializados para atender as trabalhadoras em situação de violência. Os impactos dessas medidas contribuíram para a diminuição da pobreza rural, da desigualdade na distribuição da renda e da importância material e simbólica na mudança de relações de gênero no meio rural.

Nos últimos anos, mulheres rurais promoveram Marchas das Margaridas, mobilizando-se em defesa da agroecologia, da conservação do meio ambiente e da valorização dos modos de vida no campo, nas florestas e nas águas. Querem, e têm direito, a políticas de reconhecimento de suas existências, que assegurem o apoio ao feminino rural e à agricultura sustentável.

A agricultura familiar no Brasil é a principal responsável pelos alimentos que vão parar na mesa dos brasileiros e brasileiras. Alimentos variados produzidos com respeito ao solo e ao ecossistema têm sustentado as lutas das mulheres, e são elas as responsáveis pela reprodução da vida e pela proteção da agroecologia familiar. “Para a agricultura familiar camponesa o campo é lugar de vida, de produção de alimentos saudáveis agroecológicos, do belo e do diverso!”, lemos no Facebook do Movimento de Mulheres Camponesas.

Em 1960, o dia 28 de julho, foi instituído o Dia do Agricultor para “reverenciar aqueles que se dedicam ao cultivo da terra, transformando em riqueza dinamizada as dádivas naturais”. Pois então: e as agricultoras? Neste julho, numa breve pesquisa, saltam aos olhos homenagens aos homens agricultores. Que machismo patriarcal, estrutural e excludente é esse que despreza, omite, ignora e desqualifica as mulheres camponesas?

Imagem: redes sociais Secom Governo Federal

Neste ano, em uma postagem alusiva à data, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República publicou uma fotografia que mostra a sombra de um homem – pasmem! – ombreando uma arma! E dizem que o agro é pop, os usurpadores da vida. Para o desgoverno federal, o campo é lugar da violência, do armamento, da propriedade a ser defendida a tiros, do perverso sistema monocultor e excludente. A quem este homem caça? Por certo não está aí para assustar passarinhos, mas para proteger o agronegócio exportador.  É surreal.

Dizem os aprovadores deste cartaz imundo que o agricultor alimenta o Brasil e o mundo. Muito ao contrário. Neste país a fome gravita tanto no campo quanto na cidade. Além disso, faz apologia ao armamento e, consequentemente, à morte. Para este governo, que se apoia em armas e exala espuma tóxica por onde passa, as mulheres não existem. Repudio com todas as minhas forças o desrespeito com que esse genocida trata as agricultoras, e os agricultores, estes que são responsáveis pela vida que pulsa. Povo com fome não tem cidadania. A cidadania exige implicitamente o direito de ter alimento todos os dias.

Desde a mais remota incursão por este planeta, as mulheres trazem os dons da fertilidade, da preocupação com a alimentação e saúde dos filhos, dos saberes advindos de suas experiências como coletoras, depois com a plantação, com o preparo dos alimentos, de chás e do alívio de dores nos partos. Elas somaram poderes e sabedorias para driblar as necessidades nas lides cotidianas. Elas geraram e continuam tecendo vidas. Minha mãe, também camponesa, me ensinou que a terra nos alimenta, que labutar é resistência e que só o conhecimento nos faz mais livres!

Às mulheres do campo, dedico esta crônica. Resistiremos!

“Quem tem um território, tem mãe. Quem tem mãe, tem colo. Quem tem colo, tem cura”. Sonia Guajajara

 

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  • Marlene de Fáveri

    Marlene de Fáveri, natural de Santa Catarina, Historiadora, professora Aposentada do Departamento de História da UDESC....

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