Em estudo divulgado no final do ano passado, a grande maioria dxs brasileirxs admitiu considerar a camisinha a melhor maneira de prevenir uma gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a Aids, entretanto apenas 45% da população sexualmente ativa do país afirmou ter usado preservativo nos últimos doze meses. Um dos motivos que interferem no uso é a resistência do parceiro por achar que o método – ainda voltado ao público masculino – diminui o prazer ou de alguma forma interfere na ereção. Pouco difundida, a camisinha feminina pode ser uma aliada para mudar esse cenário de subordinação na hora de “negociar” a proteção.  É preciso, porém, enfrentar a realidade: falta acesso, o preço é alto e os tabus reinam sobre a informação correta. Onde termina o estigma e começam as complicações não se sabe. As reclamações vão desde dor, dificuldades no encaixe do anel interno e em guiar o pênis dentro da camisinha, deslocamento do preservativo e insegurança na hora de retirá-lo por receio de que o esperma escorra. Há também experiências positivas com reflexos sobre a saúde e a liberdade sexual que podem estimular novas adeptas. Levantamos relatos de usuárias, simpatizantes e outras nem tanto, sobre as descobertas com o uso desse método seguro para evitar doenças e gravidez indesejada.

Foto: Chris Mayer
A camisinha pode ser introduzida com a ajuda do pênis/ Foto: Chris Mayer

A arquiteta Carina Manke Silva, 27 anos, namora há seis anos e usa somente a pílula anticoncepcional. Ela pretende experimentar a camisinha feminina e parar de tomar a contracepção hormonal por conta dos riscos que essa última traz à saúde. Carina pediu orientação à ginecologista sobre métodos alternativos ao anticoncepcional, como o DIU. Porém, por ser nova e ainda não ter filhos, a especialista sugeriu que continuasse com o anticoncepcional e/ou só usasse camisinha.

“Conversei com meu parceiro para fazermos um teste de três meses só usando a camisinha feminina. Ele concordou, porém ainda não consegui parar de tomar o anticoncepcional. A curiosidade de usar a camisinha já vem de algum tempo, mas ainda não usei porque não encontro nas farmácias”, relata.

Carina não sabia que o preservativo é distribuído gratuitamente nos postos.

Foto: Chris Mayer
Uso da versão feminina trouxe mais prazer e saúde para entrevistada/ Foto: Chris Mayer

Por indicação da ginecologista, a estudante de direito do Cesusc, Paula Tavares, 22 anos, recorreu à camisinha feminina. Paula é alérgica ao látex, presente na maioria das camisinhas masculinas. A opção também a pouparia de ter que implorar aos parceiros para que usassem o preservativo.

“Saí de um longo relacionamento há pouco tempo. Os poucos parceiros que tive, sempre ofereceram muita resistência. Na realidade, acho bem incômodo o fato de ter que pedir. Não é algo automático e do interesse deles. Como se eles não se preocupassem com as inúmeras possíveis consequências também”, afirma.

A ginecologista ensinou-lhe de forma detalhada como usar o preservativo. Porém, ela não se adaptou e desistiu depois de três tentativas. “A camisinha saiu do lugar e machucou bastante tanto durante o ato sexual, tanto depois para retirar. Meu parceiro (ex-namorado) na época, gostou, disse que era como se não tivesse nada, até preferiu ela do que a masculina, mas pra mim foi bastante incômodo. Acredito que cada pessoa se adapte de acordo com seu corpo. Comigo não deu certo, mas acredito que outras mulheres possam preferir”, ponderou.

Foto: Chris Mayer
Parceiros resistem à estética da camisinha/Foto: Chris Mayer

Há oito anos atuando como prostituta no centro de Florianópolis, Leandra, 30 anos, só experimentou a camisinha feminina recentemente, numa relação com o marido. “Senti dores. O anel interno me machucou, não achei legal”, revela. Segundo ela, outras colegas de profissão tentaram usar a feminina para vencer a resistência dos clientes em relação à masculina, mas a maioria mostrou aversão. “Os homens mais velhos ainda resistem a usar a camisinha masculina. Eles dizem ‘sou casado há mais de tantos anos e nunca usei’. Por isso, as colegas aderiram à feminina, porém a estética os apavorou”, revela.

Juliano Martins, presidente da Estrela Guia, entidade voltada à cidadania de trabalhadorx do sexo, acompanhou a entrevista com Leandra. Ele explicou que o anel interno, cuja função é direcionar a camisinha para dentro da vagina, pode ser retirado sem que isso interfira na proteção. Nesse caso, o método pode ser introduzido com a ajuda do pênis. Segundo ele, a estética é o principal problema para o uso do preservativo. “A maioria dos clientes não aceita transar com o preservativo feminino, reclamam, por exemplo, que parece uma sacola pendurada. Esses homens são machistas e as mulheres acabam transando sem proteção”, afirma o ativista.

A.S.C, 24 anos, estudante da UFSC, passou a usar a camisinha feminina, depois de uma experiência traumática: engravidou de forma indesejada e contraiu uma Infecção Sexualmente Transmissível (DST). A entrevistada conta que começou a transar com 16 anos sem ter conhecimento sobre o próprio corpo. Suas referências de sexualidade se restringiam a filmes pornô. “Logo engravidei e peguei uma DST, mesmo que tenha me curado, entendi que podia ter contraído HIV. Depois disso nunca mais quis transar sem camisinha. Os caras nunca tinham e eu acabava não transando”, conta. A. não se expôs mais. Passou a andar munida com preservativos masculinos que coletava nos postos de saúde. Para sua decepção, ter a camisinha em mãos não garantia sua proteção.

“Eu sempre tinha, mas não adiantava. Eles reclamavam do tamanho, da marca, e até mesmo de ser eu que estava com a camisinha, como se isso não fosse meu papel. Foi aí que resolvi pensar em mim, e usar algo que eu me sentisse segura, independente deles. Foi bem incômodo inicialmente por não ter prática. Mas era isso ou nada”, relata.

A pedagoga T.M, 22 anos, passou a usar a camisinha há um ano por indicação da ginecologista em função de ter contraído HPV. “Minhas lesões ficavam onde a camisinha masculina não protegia”, conta. A experiência trouxe mais prazer e saúde para a vida dela.“As lesões diminuíram, a ponto de não existiram mais. Por ela ser bem lubrificada e sensível, eu não sinto mais dores durante o ato”, compartilha. Segundo T., a mudança na rotina exigiu um tempo de adaptação. “No começo é ruim, machuca, é difícil de encaixar. Depois de pegar o jeito é só amor”, assegura.

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“Depois de pegar o jeito é só amor”/Foto: Chris Mayer

Essa é a última matéria da reportagem especial Camisinha Feminina. O primeiro capítulo também traz relatos sobre o uso do preservativo feminino.

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  • Paula Guimarães

    Jornalista e co-fundadora do Portal Catarinas. Formada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, pós-graduada...

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