Camisinha feminina: “depois de pegar o jeito é só amor”
Depois de pegar o jeito é só amor.
Em estudo divulgado no final do ano passado, a grande maioria dxs brasileirxs admitiu considerar a camisinha a melhor maneira de prevenir uma gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a Aids, entretanto apenas 45% da população sexualmente ativa do país afirmou ter usado preservativo nos últimos doze meses. Um dos motivos que interferem no uso é a resistência do parceiro por achar que o método – ainda voltado ao público masculino – diminui o prazer ou de alguma forma interfere na ereção. Pouco difundida, a camisinha feminina pode ser uma aliada para mudar esse cenário de subordinação na hora de “negociar” a proteção. É preciso, porém, enfrentar a realidade: falta acesso, o preço é alto e os tabus reinam sobre a informação correta. Onde termina o estigma e começam as complicações não se sabe. As reclamações vão desde dor, dificuldades no encaixe do anel interno e em guiar o pênis dentro da camisinha, deslocamento do preservativo e insegurança na hora de retirá-lo por receio de que o esperma escorra. Há também experiências positivas com reflexos sobre a saúde e a liberdade sexual que podem estimular novas adeptas. Levantamos relatos de usuárias, simpatizantes e outras nem tanto, sobre as descobertas com o uso desse método seguro para evitar doenças e gravidez indesejada.
A arquiteta Carina Manke Silva, 27 anos, namora há seis anos e usa somente a pílula anticoncepcional. Ela pretende experimentar a camisinha feminina e parar de tomar a contracepção hormonal por conta dos riscos que essa última traz à saúde. Carina pediu orientação à ginecologista sobre métodos alternativos ao anticoncepcional, como o DIU. Porém, por ser nova e ainda não ter filhos, a especialista sugeriu que continuasse com o anticoncepcional e/ou só usasse camisinha.
“Conversei com meu parceiro para fazermos um teste de três meses só usando a camisinha feminina. Ele concordou, porém ainda não consegui parar de tomar o anticoncepcional. A curiosidade de usar a camisinha já vem de algum tempo, mas ainda não usei porque não encontro nas farmácias”, relata.
Carina não sabia que o preservativo é distribuído gratuitamente nos postos.
Por indicação da ginecologista, a estudante de direito do Cesusc, Paula Tavares, 22 anos, recorreu à camisinha feminina. Paula é alérgica ao látex, presente na maioria das camisinhas masculinas. A opção também a pouparia de ter que implorar aos parceiros para que usassem o preservativo.
“Saí de um longo relacionamento há pouco tempo. Os poucos parceiros que tive, sempre ofereceram muita resistência. Na realidade, acho bem incômodo o fato de ter que pedir. Não é algo automático e do interesse deles. Como se eles não se preocupassem com as inúmeras possíveis consequências também”, afirma.
A ginecologista ensinou-lhe de forma detalhada como usar o preservativo. Porém, ela não se adaptou e desistiu depois de três tentativas. “A camisinha saiu do lugar e machucou bastante tanto durante o ato sexual, tanto depois para retirar. Meu parceiro (ex-namorado) na época, gostou, disse que era como se não tivesse nada, até preferiu ela do que a masculina, mas pra mim foi bastante incômodo. Acredito que cada pessoa se adapte de acordo com seu corpo. Comigo não deu certo, mas acredito que outras mulheres possam preferir”, ponderou.
Há oito anos atuando como prostituta no centro de Florianópolis, Leandra, 30 anos, só experimentou a camisinha feminina recentemente, numa relação com o marido. “Senti dores. O anel interno me machucou, não achei legal”, revela. Segundo ela, outras colegas de profissão tentaram usar a feminina para vencer a resistência dos clientes em relação à masculina, mas a maioria mostrou aversão. “Os homens mais velhos ainda resistem a usar a camisinha masculina. Eles dizem ‘sou casado há mais de tantos anos e nunca usei’. Por isso, as colegas aderiram à feminina, porém a estética os apavorou”, revela.
Juliano Martins, presidente da Estrela Guia, entidade voltada à cidadania de trabalhadorx do sexo, acompanhou a entrevista com Leandra. Ele explicou que o anel interno, cuja função é direcionar a camisinha para dentro da vagina, pode ser retirado sem que isso interfira na proteção. Nesse caso, o método pode ser introduzido com a ajuda do pênis. Segundo ele, a estética é o principal problema para o uso do preservativo. “A maioria dos clientes não aceita transar com o preservativo feminino, reclamam, por exemplo, que parece uma sacola pendurada. Esses homens são machistas e as mulheres acabam transando sem proteção”, afirma o ativista.
A.S.C, 24 anos, estudante da UFSC, passou a usar a camisinha feminina, depois de uma experiência traumática: engravidou de forma indesejada e contraiu uma Infecção Sexualmente Transmissível (DST). A entrevistada conta que começou a transar com 16 anos sem ter conhecimento sobre o próprio corpo. Suas referências de sexualidade se restringiam a filmes pornô. “Logo engravidei e peguei uma DST, mesmo que tenha me curado, entendi que podia ter contraído HIV. Depois disso nunca mais quis transar sem camisinha. Os caras nunca tinham e eu acabava não transando”, conta. A. não se expôs mais. Passou a andar munida com preservativos masculinos que coletava nos postos de saúde. Para sua decepção, ter a camisinha em mãos não garantia sua proteção.
“Eu sempre tinha, mas não adiantava. Eles reclamavam do tamanho, da marca, e até mesmo de ser eu que estava com a camisinha, como se isso não fosse meu papel. Foi aí que resolvi pensar em mim, e usar algo que eu me sentisse segura, independente deles. Foi bem incômodo inicialmente por não ter prática. Mas era isso ou nada”, relata.
A pedagoga T.M, 22 anos, passou a usar a camisinha há um ano por indicação da ginecologista em função de ter contraído HPV. “Minhas lesões ficavam onde a camisinha masculina não protegia”, conta. A experiência trouxe mais prazer e saúde para a vida dela.“As lesões diminuíram, a ponto de não existiram mais. Por ela ser bem lubrificada e sensível, eu não sinto mais dores durante o ato”, compartilha. Segundo T., a mudança na rotina exigiu um tempo de adaptação. “No começo é ruim, machuca, é difícil de encaixar. Depois de pegar o jeito é só amor”, assegura.
Essa é a última matéria da reportagem especial Camisinha Feminina. O primeiro capítulo também traz relatos sobre o uso do preservativo feminino.
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