“A presença feminina é transformadora” como afirmou no palco do Sonora Ciclo Internacional de Compositoras, em Florianópolis, a cantora Srta.V que apresentou dois forrós de criação própria. A diversidade das letras e das sonoridades mostrou o potencial artístico das 33 mulheres que tiveram no palco do Pedro Ivo um espaço para dar visibilidade a seus trabalhos. Elas cantaram e tocaram samba, chorinho, ritmos latinos, soul, axé, rock, baião, pop e música experimental e erudita. Numa mostra não seletiva, esse movimento de mulheres mostrou a que veio com inclusão, generosidade e sonoridade. Depois de algumas semanas do evento, as organizadoras já se preparam para a realização da próxima edição, com a proposta de pensar ações que fomentem e inspirem projetos em conjunto, num exercício de criação e transformação.
Santa Catarina foi o estado que levou mais mulheres ao palco pela forma como a curadoria atuou: não houve seleção e as intérpretes também puderam participar com composições de artistas que moram no estado. “Eu não esperava que houvesse tantas compositoras tão latentes e sem amarras. É interessante também que teve uma quantidade de artistas não atuantes”, conta Tatiana Cobbett, que além de se apresentar pôde assistir a interpretações de suas obras por quatro participantes.
Protesto no palco
Em celebração ao momento de união e força entre as artistas, Dandara Manoela cantou “Maria de Luta”, uma “poesia protesto” em defesa dos direitos das mulheres, incluindo o mais polêmico deles, o aborto, arrancando reação de simpatia do público. A cantora criou a melodia para a amiga poeta Ingrid Maria, que por sua vez fez o poema. “’Maria de Luta’ foi uma das minhas primeiras composições. O trecho ‘gratidão por me inspirar’, é dedicado a cada Maria que me inspira na vida. Sonora foi inspiração, cada mulher ali deixou um pouco em mim e essa conexão nos fortalece. Nos faz amar, lutar e criar”, afirma.
Para ela, o sonora mostrou-se um encontro entre mulheres compositoras e intérpretes que têm muito a dizer, cantar e tocar. “Foi como um pulso gigante de uma rede e conexão entre as mulheres. Destaque para a presença instrumentistas, tanto enquanto compositoras, quanto intérpretes/acompanhantes, que geralmente são subestimadas pelo machismo.”
Um Poema para Maria
Andava na rua debaixo do sol vi Maria trabalhava empurrando um carro de mão com garrafas de plástico seu rosto rasgado pelo tempo dizia tudo. Que destino é esse, que PALAVRA é essa? Que destino tem Maria que trabalha, trabalha, trabalha e não tem destino certo se tem pão na mesa, ou não se morre amanhã, com bala perdida se morre com cova certa ou indigente se morre na fila de hospital PÚBLICO sem convênio privado se o traste que mora em casa lhe dá um tapa um soco um murro na cara pra onde vai PRA ONDE VAI pra onde vamos uma casa de passagem? uma tia, uma vizinha? ou não! fica aguentando aguentando até vir outro murro que destino que tem a minha gente? Cadê Cláudia, cadê Jacira C-A-D-Ê e essas Marias que cá estão pobres aborteiras e putas destino de Maria é ser Maria de luta! ah quando essas Marias todas se ajuntar sapatão, trans, viadas pretas brancas vermelhas amarelas e todas outras coloridas da mesma classe! punhos erguidos pedras e sonhos nas mãos seremos todas MARIAS DA REVOLUÇÃO!
Ingrid Maria
Fortalecimento entre mulheres
Victória Aftalión trouxe em uma de suas músicas latinas referências do livro clássico “Mulheres que correm com lobos”. A canção sobre confiar nos instintos e na força da natureza evoca bons sentimentos e agradecimento. “Uma das poesias fala sobre como os homens nos vem. Como um pedido para nos enxergarem mais profundamente”, explica sobre a outra composição que apresentou.
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Srta. V que também atua na palhaçaria já trabalha há anos em eventos com a temática da mulher. “A primeira vez que surgiu Srta.V era uma banda só de mulheres. Depois tive o Forró das Comadres que era só de mulheres, às vezes com um sanfoneiro convidado”, relata. Como palhaça, participou do Encontro de Palhaças de Brasília, Temporada de Palhaças no Mês da Mulher, (TPMs) e da Circa Acústica. “Mas um evento produzido por um coletivo, desse porte, com essa força foi algo novo pra mim. Gosto muito de estar cercada de mulheres, acho que isso fortalece nossa existência”, afirma.
Segundo ela, os ambientes da música ainda são muito masculinos, com pouco espaço para mulheres. “Embora nos tratem com cordialidade, é como se as mulheres fossem quase intrusas”, afirma. V é mãe e tem se dividido entre os cuidados com a filha pequena e a carreira. “Tento fazer o máximo pra conseguir trabalhar e me envolver com os projetos que eu abraço. Tenho conseguido fazer o mínimo. Mas esse mínimo tem sido muito especial.”
O Sonora foi realizado em 26 cidades de seis países, surgiu da mobilização nas redes sociais #mulherescriando para dizer que compositoras existem. Ensaio fotográfico por Chris Mayer aqui.
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