Série Poéticas da Convivência: cardume
a imagem do peixe fora d’água
não me sai da cabeça
e já ocupa a pele, as vísceras
o pulmão
a lateral inchando
do peixe
num vai e vem angustiante
o olho parado
o pulo que estala
a barbatana que brilha
e reflete o tempo
que não vem
convém contar
até três
antes de abrir a boca
para qualquer coisa que seja
mais
que respiro
chega o ar ao coração
antes da água?
como inundar o peito
sem afogar as mágoas?
eu escrevi sobre um afogamento
uma vez
sobre ter o sal nos pulmões
mas hoje eu quero escrever sobre a magia
de respirar
sem aparelhos
sem água no pulmão
eu quero falar dessa maldita
necessidade de espelho
e de oposição
dois lados de um mesmo mundo
quebrado
convém contar
a vocês
um segredo
muito simples
o mar não tá pra peixe
nem pra sereia
eu sei
é difícil de aceitar
principalmente pra você
que é peixe grande
e gosta de poluir
seu próprio habitat
o convívio dos peixes
além mar
ainda é uma incógnita
criarão eles novas formas de respiro e vida?
fingirão estar vivos na sobrevivência?
aprenderão com a morte de seus semelhantes?
gosto de pensar que o peixe é um animal
de bando
que antes de aquático
é coletivo
antes de pular
ele nada
e sempre chega a algum lugar
comum
nós
peixes
imensidão
encharco
correnteza
o que faremos para lidar com a dor?
o peixe que há em mim
saúda o cardume que há de vir
coletivo que é
força
matéria
presença
união
*Juliana Ben