Relatora da ONU defende práticas de reorientação sexual e de gênero
Reem Alsalem expressou sua oposição à proibição da “terapia de conversão”, que na prática visa promover as chamadas “cura gay/trans”.
Em meio à onda se suicídios de pessoas LGBTQIA+ que passaram por tentativas de mudar sua sexualidade e gênero no Brasil, como foi o caso da lésbica cisgênera Karol Eller de 26 anos, e a Travesti Letícia Maryon de 22 anos, a Relatora Especial sobre violência contra a mulher da ONU, Reem Alsalem, expressou em entrevista ao Telegraph sua oposição à proibição da “terapia de conversão”, que na prática visa promover reorientação sexual ou de gênero, chamados de “cura gay/trans”. Ela critica os proponentes da proibição, sugerindo que suas ações poderiam criminalizar conselhos sobre questões de gênero e sexualidade.
A terapia de conversão é um conjunto de práticas que visam alterar a orientação sexual ou a identidade de gênero de uma pessoa, na tentativa de transformá-la em heterossexual ou cisgênero. Essa prática é baseada em preconceitos e na falsa ideia de que a homossexualidade e a identidade de gênero trans são transtornos mentais que precisam ser “curados”.
A relatora apresenta uma visão problemática ao se opor à proibição da “terapia de conversão”. Sua afirmação de que tal proibição poderia acelerar a transição de gênero de meninas ignora a realidade de que a transição é uma decisão profunda e pessoal.
Ao sugerir que devemos investigar primeiro as causas do sofrimento, sem considerar os problemas estruturais da imposição de uma cisgeneridade e heterossexualidade compulsória, Alsalem deslegitima as experiências das pessoas trans, desconsiderando o apoio e a validação de que elas precisam.
Sua posição sobre os danos potenciais para pessoas que “destransicionam” após uma “afirmação apressada de sua identidade” ignora estudos que mostram que a “prática de reorientação” é prejudicial, enquanto as transições são frequentemente acompanhadas de apoio e cuidado, trazendo impactos positivos significativos para as pessoas trans.
Enquanto outros especialistas, como Victor Madrigal-Borloz (ex-especialista LGBTQIA da ONU), apontam que as “terapias de conversão” visam forçar conformidades prejudiciais, Alsalem parece minimizar o dano causado por essas práticas. Essa postura ignora os perigos dessas práticas nocivas, que visam deslegitimar as identidades trans e podem causar danos irreparáveis à saúde mental e ao bem-estar de indivíduos vulneráveis.
É urgente que continuemos a lutar pela criminalização e proibição dessas terapias, garantindo um ambiente seguro e acolhedor para todos. Nossa sociedade não pode retroceder em direitos humanos fundamentais.
Vale destacar que a Relatora Reem Alsalem tem sido criticada em diversos países por seu lobby contra o direito à autodeterminação de gênero e sua aproximação com setores antitrans, especialmente no Reino Unido.
Suas posições sobre saúde trans e trabalho sexual, assim como sobre pessoas trans no esporte – nos quais ela reafirma sua posição para que o ‘sexo’ seja definido como sexo biológico, além de defender testes de gênero abertamente, que foram banidos nos anos 2000 pelo COI e tem sido altamente criticados por adotar uma abordagem essencialista de gênero e transexcludente, o que fragiliza os direitos trans, além de abrir brechas para o acesso e a violação dos corpo das atletas mulheres. Instituições da comunidade trans também a acusam de manter posições transfóbicas em sua atuação.
O Conselho Nacional pelos Direitos LGBTQIA+ do Brasil chegou a se manifestar em nota pública sobre o alinhamento da relatora com a agenda antitrans.
O apoio à autodeterminação das pessoas trans é essencial para seu bem-estar, e a luta deve ser por uma saúde inclusiva, não pela manutenção de intervenções prejudiciais que buscam reprimir identidades.
Aproximadamente 16 países introduziram a proibição total ou parcial, incluindo Brasil, Canadá e Alemanha. Cerca de 20 estados dos EUA proibiram a prática para menores, embora muitos deles não incluam conselheiros e organizações religiosas. Alguns outros países, incluindo a Irlanda, propuseram proibições ou estão consultando sobre o assunto.
No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia por meio de sua Comissão de Direitos Humanos, apresentou livro intitulado “Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs”, contendo histórias de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais que retrata os intensos sofrimentos ético-políticos e os processos de resistência decorrentes de diversas formas de violências, preconceitos, injustiças e exclusão advindos das práticas e terapias de reorientação sexual e de gênero.
O órgão publicou a Resolução CFP nº 01/2018 tem o objetivo de impedir o uso de instrumentos ou técnicas psicológicas para criar, manter ou reforçar preconceitos, estigmas, estereótipos ou discriminação e veda a colaboração com eventos ou serviços que contribuam para o desenvolvimento de culturas institucionais discriminatórias. A resolução tem sofrido diversas ações que visam sustar seus efeitos, sem êxito até o momento.
O que dizem os dados
Pesquisa com 27 mil adultos nos Estados Unidos mostra que “métodos de conversão” causam prejuízos na saúde mental de pessoas transgênero e aumentam significativamente o risco de suicídio, dobrando essa probabilidade. Pesquisas revelam que essas intervenções que visam impedir que pessoas trans assumam suas reais identidades de gênero, não apenas falham em aliviar o sofrimento, mas também causam danos psicológicos profundos.
Profissionais de saúde têm sido alertados sobre os perigos da não cientifica “terapia de conversão” e são incentivados a oferecer apoio afirmativo às identidades de gênero, promovendo ambientes mais seguros para pessoas trans. Para mais informações, acesse o artigo completo aqui.
O Instituto Matizes e a All Out Brasil divulgaram o relatório “Entre Curas e Terapias: esforços de correção da orientação sexual e identidade de gênero de pessoas LGBTI+ no Brasil“. A pesquisa identificou 26 formatos de “curas” e “terapias” de reversão sexual e de gênero, as quais são praticadas ou iniciadas por lideranças religiosas, pediatras, psicólogos, coaches, filósofos clínicos, professores, diretores de escola, familiares e amigos.
O estudo revelou que 52,8% dos participantes foram submetidos a “terapias de conversão” (ou de reorientação sexual e de gênero) entre 6 e 17 anos, evidenciando a alta vulnerabilidade de crianças e adolescentes LGBTQIA+ a essas práticas.
Este é um tema urgente, e precisamos exigir ações concretas, tanto da sociedade quanto das instituições, para coibir esse tipo de violência contra nossa comunidade. A luta contra a “cura trans/gay” deve continuar até que essas práticas sejam completamente proibidas e criminalizadas.
É importante ler e atuar para que os projetos de lei das deputadas federais Duda Salabert e Erika Hilton, que buscam eliminar a prática prejudicial e não científica de “conversão sexual e de gênero”, e que a reconhecem como tortura sejam aprovados.
No mesmo sentido, tem sido amplamente difundido nas redes sociais um forte lobby pela destransição e “cura gay” ligados a ideologias religiosas e que tem sido promovido por influenciadores com milhares de seguidores. O acompanhamento rigoroso nas plataformas digitais e nos espaços que continuam propagando essas mensagens é necessário neste momento.
Precisamos unir forças para garantir que os direitos e a liberdade de nossa comunidade sejam respeitados e que essas práticas danosas não sejam mais toleradas
Se você presenciou, teve conhecimento ou foi vítima deste tipo de abordagem, denuncie ao ministério público e disque 100 os perfis, instituições ou ações que promovam assédio ou incentivem a destransição de pessoas trans.
Forçar a destransição deve ser visto como um dano à saúde coletiva da população trans. E caso esteja em sofrimento neste momento ou precisando de ajuda, busque profissionais qualificados. O serviço de prevenção ao suicídio pode ser acionado através de ligação gratuita no número 188.