Quando nos tornamos tão indiferentes?
Na semana em que já ultrapassamos os 524 mil mortos pela Covid-19 e a vacinação continua em ritmo lento, estudiosos e cientistas já apontam que a variante delta (sim, aquela que surgiu na Índia e desembarcou no Maranhão) já chegou em praticamente todos os estados do país, exceto na região Norte.
Seu poder de contágio, assim como a letalidade que provoca, é muito maior do que a variante alpha – até então a mais agressiva. Não precisa ser muito inteligente para entender o que pode acontecer neste mês e no próximo, caso o ritmo de vacinação não se intensifique. Mais mortes, mais isolamento social, mais lockdown e, consequentemente, mais comércios fechando e, claro, um peso ainda maior a ser pago pelos mais vulneráveis. Afinal, são eles que não têm condições de se manter isolados porque precisam buscar nas ruas o pão de cada dia.
O que está por trás de tudo isso? Mais uma vez, o atraso na aquisição de vacinas, total descaso do governo federal e, também na semana que passou, suspeitas de prevaricação. Como resposta, o presidente vocifera contra a imprensa. É seu esporte preferido e uma forma de desviar o foco do que acontece à sua volta. Seu alvo preferencial são jornalistas mulheres, porque para ele, como em outras mentes tão machistas e retrógradas, nós sejamos mais frágeis e incapazes de nos defendermos. Quanto engano, presidente!
Poucas vozes se levantam contra todas essas arbitrariedades. Sempre me pergunto quando nos tornamos tão pouco empáticos às mortes e à quantidade de pessoas que cruzam as fronteiras da fome e da miséria? Quando tanta grosseria passou a ser normalidade no nosso cotidiano?
Exemplos vindos de fora não faltam para mostrar que discursos e ações dissonantes, especialmente de líderes políticos, não têm mais vez no mundo atual. Vejam o exemplo de Matt Hancock, ministro da Saúde britânico que pediu demissão, no fim de semana, após o vazamento de suas imagens beijando a amante. Detalhe: o seu discurso era o de que as pessoas mantivessem o distanciamento social, o mesmo que não ele não respeitou dentro do prédio do ministério. Na época do encontro “quente”, reuniões de duas ou mais pessoas eram expressamente proibidas em todo o Reino Unido.
A essas imagens seguiram-se uma sequência de protestos vindos de todos os políticos – tanto os favoráveis ao governo, como os da oposição. O pedido de demissão do ministro foi inevitável. Aqui, ao contrário, muitos de nós acha normal ver o presente quebrar todas as regras de distanciamento social e também natural quando ele submete todos à sua insanidade.
Semana passada duas crianças foram alvo dele. A uma delas pediu que baixasse a máscara. Na outra, ele mesmo retirou. Atitudes como essa passam de qualquer limite – até para um autoritário contumaz como o Jair Bolsonaro.
As próximas semanas serão essenciais para que a vacinação avance a fim de conter uma terceira onda no país – talvez ainda mais contagiosa e até mais letal. Oxalá recuperemos a nossa capacidade de indignação e também de pressionar quem pode dar um basta a tanta falta de empatia e de respeito às pessoas.
Paola Carvalho é diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, uma das organizações que integram a campanha Renda Básica que Queremos.