mesmo que estejamos aqui
tocando a pele das palavras
da outra do outro a nossa
há fronteiras entre os corpos

as redes
nos pescam atordoadas
multidões espanejando no vácuo
revolvendo as piores misérias

reuniões de humanos
no ápice da vazies
sugando o nosso destino
em outras redes

tente compreender
cada rede tem seus códigos
não sei muito bem pegar em armas
me apego nas palavras também
por sobrevivência

a arte salva sim
quero ser óbvia sim

sei que não mata fome
não estanca doença
não interrompe a trajetória da bala
nem faz esquecer do escárnio
que cresce nas sombras
arquitetando sempre
nosso sufocamento

rede é uma palavra
que já foi tão bonita
renda também

melhor dar uso às palavras
antes que elas sirvam para nos esvaziar
de tudo de todos os abraços
de dentro de um filme uma dança uma noite
uma peça de rua na rua

tente compreender
a melancolia está escorrendo
pelos vidros da janela em gotas secas
porque não chove mais
orvalho rareando ou nada quase

azul e borboletas provam
a permanência resiliente da vida
a eficácia de uma breve parada no tempo

através do vidro
o frio e os pássaros
nunca mais ouvi
avião sobrevoando
o topo da cabeça
o céu anda sorridente
sol em chamas feito leão
solto juba farta

tente compreender
tento apenas
não me enlear nas redes
do esquecimento
não cair no buraco
plantado às surdinas
há muitos espalhados
pelo chão que é ar
borboleta sol poesia

tente compreender
e me ajude
a não te carregar comigo
quando barriguda de tantas palavras
escorregar distraída num dos buracos
azuis da minha melancolia
que também minam o céu

melhor mergulhar pra cima
fingindo dominar a queda
ossos espatifados no chão do céu
com a graça de búzios jogados
num pano de estrelas

* Lu Tiscoski

 

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