I

Chove, milhares de lágrimas.

As árvores de dourada cabeleira

cantam para a cidade adormecida

a fauna toda de farra

trespassa fronteiras

derruba porteiras

Portões desossados

fanfarra da bicharada

pisoteia o vazio contínuo da cidade

Os animais e suas famílias seguem

Surpresos pelo não-saber e gozam

Chove, milhões de lágrimas.

 

II

A paisagem exterior ao meu coração

é neblina.

Não se sabe de que lado vem a morte

lá fora, na cidade amortecida

não importa o sol ou a lua

não importa a exterioridade das estrelas

A paisagem ao vento dobra a esquina

e aqui dentro o tumulto

íntimo faz um rugir

de asas

é normal tanta, tanta morte na

paisagem exterior ao meu coração?

 

III

Quero ver a cidade calada.

Ladeira a baixo

ladeira a cima

a cidade do trabalho

obrigatoriamente estática

entra para as estatísticas

Na volta da esquina

me assusta o tenebroso

corpo estranho

ESTRUTURA DE EMERGÊNCIA

alva lona estéril – contágio

medo   distância   silêncio

 

IV

Cada uma das vezes que passo

ladeira a baixo

me surpreende o

corpo estranho

como se não soubesse

como se não fosse real

ESTRUTURA DE EMERGÊNCIA

é cidade estarrecida

obrigada à imobilidade

se sai, é com olhos sorrateiros

entreabertos para a morte

mirada certeira no próximo destino

 

V

Quero ver a cidade deserta.

Mas ela insiste, ela teima

corre da morte, como inseto pisado

corre da fome que nem retirante

corre, corre, corre como sempre

morre como nunca

Na paisagem exterior ao seu coração

não importa o índice

da morte diária

importante mesmo é o
índice da produtividade
cidade viva, vai e vem

 

Chove, milhões de almas.

 

*Ibriela Bianca

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