Fico sempre imaginando como é o Dia Internacional das Mulheres nos países ocidentais e sempre concluo que todos – ou pelo menos a maioria – têm muitas conquistas para celebrar. Conversando com os expatriados que passam pela ONG onde trabalho e também com os meus compatriotas que vivem no exterior, encho os olhos de alegria e o coração de esperança. A primeira ideia que ocupa meu pensamento é: a realidade das mulheres ocidentais nem sempre foi assim; elas também percorreram um longo caminho até chegar onde estão. Se hoje podem festejar suas vitórias é porque também derramaram muitas lágrimas, suor e, quem sabe, até mesmo sangue.

Ser mulher é um desafio em todas as culturas. Não importa muito a nossa nacionalidade, pois todas nós passamos por situações árduas em algum momento da vida. As sociedades, com raras exceções, já nasceram dentro de um sistema que valoriza a figura masculina, em detrimento da força da mulher. Superar essa desigualdade tem sido uma luta diária e histórica. Batalha de muitas mulheres e, por que não admitir, de alguns homens também.

Se hoje temos um dia especialmente dedicado para refletir sobre a nossa trajetória, sabemos que nem sempre foi assim. Pior, sabemos que, em vários países, isto ainda não é uma realidade. É o caso da Guiné, onde o 8 de março passa desapercebido quase que completamente. Infelizmente, essa invisibilidade não é apenas por parte das autoridades do meu país. Há muitas de nós que nem mesmo fazem ideia de que esse dia existe, menos ainda da sua importância.

O papel da mulher em nosso país é valorizado naquilo que diz respeito à sua função de procriar filhos para a família. Todos sabem que é a mulher que garante a prosperidade da nação. Ninguém ignora seu dom de cuidar e educar. Porém, quando colocamos a cultura guineana sob a lupa dos valores defendidos pelos nossos colonizadores, não identificamos nenhuma igualdade, nem liberdade. O que nos resta é a fraternidade. Isto, sim, não podemos negar que temos de sobra. E é graças a essa virtude que nos incentiva a sermos solidárias umas com as outras que temos conseguido avançar, pouco a pouco.

Somos mulheres fortes. Daquelas que se apoiam, que constroem caminhos juntas para estabelecer pontes e unir esforços. Que abrem horizontes para outras mulheres ousarem novos passos. Há uma nova geração de mulheres despontando em nosso país e elas começaram a ensinar a igualdade e a incentivar sua prole a buscar a liberdade de expressão e de ser.

Nem sempre fácil, nem sempre possível. A violência doméstica continua assustadoramente calando a nossa voz. As normas sociais cerceiam nossos direitos e alguns hábitos culturais simplesmente destroem qualquer perspectiva de um futuro diferente de nossas antepassadas. Mas resistimos.

Quando ouço histórias de sucesso sobre as mulheres ocidentais penso que um dia também chegaremos lá. Não entendo que os seus triunfos sejam justificados pela liberdade de fazerem, quase sempre, o que desejam ou porque elas dispõem de recursos que facilitam sua vida cotidiana. Eu não me importo de lavar a minha roupa na mão, nem de limpar a casa com a vassoura. Não é isto que me subestima ou que diminui minha participação social. Afinal, liberdade é um estado interior que nos permite agir de acordo com aquilo que é coerente para nós mesmos e participar politicamente da nossa sociedade está mais atrelado à nossa capacidade de agir, mesmo que nos bastidores do poder.

O ideal, certamente, é podermos transitar em todas as esferas da sociedade livremente. Caminhamos para que isso aconteça e contamos, atualmente, com algumas organizações não-governamentais nesta luta. Entre elas se destacam a Coalition des Femmes Leaders de Guinée (Coalizão de Mulheres Líderes da Guiné) e a Femmes Développement et Droits Humains en Guinée (Desenvolvimento das Mulheres e Direitos Humanos na Guiné), dedicadas ao enfrentamento da violência contra a mulher em todos os âmbitos. Existem outras organizações que promovem ações pontuais, mas poucas são as que conseguem, de fato, apoiar as mulheres em situação de vulnerabilidade. A maioria funciona sem financiamento, o que dificulta muito suas atividades.

Embora não estejamos mais engatinhando, pois já podemos lutar pela guarda dos nossos filhos em caso de separação, trabalhar em funções públicas e receber o mesmo salário que os homens, ainda há muito para se conquistar. O importante é que, cada vez mais, as mulheres estão tomando conhecimento sobre seus direitos e denunciando os casos de violência e de abuso. Inclusive, o número de divórcios aumentou, pois as mulheres acabam entendendo melhor seus direitos e não querem mais se submeter às imposições do marido. Sabemos que o livro sagrado defende a mulher, mas os homens aproveitam da religião para interpretá-lo à favor deles, criando regras e normas que subjugam as mulheres e garantem a soberania masculina.

Por isto tudo, o que eu mais gostaria de celebrar no Dia Internacional das Mulheres é a condição de ser quem eu sou. Gostaria de festejar nossa humanidade em primeiro lugar, sem nos preocuparmos em categorizar absolutamente nada, nem ninguém. Simplesmente, tomando como princípio o fato de termos, todos, direitos iguais.

* Versão em português elaborada por Andrea Silveira, autora da biografia da Maimouna Diallo sob o título: “Guinée Fagni: a trajetória de uma mulher africana – a história de todas nós”, que pode ser baixada gratuitamente em PDF e/ou E-Pub.

 

 

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  • Maimouna Diallo

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