O Ideal do Ego é do domínio do simbólico. Simbólico quer dizer articulação de vínculo. Simbólico é o registro ao qual pertencem a Ordem simbólica e a Lei que fundamenta esta ordem. O Ideal de Ego é, portanto, a instância que estrutura o sujeito psíquico, vinculando-o à Lei e à Ordem. É o lugar do discurso. O ideal do Ego é a estrutura mediante a qual “se produz a conexão da normatividade libidinal com a cultura”. (Neusa Santos Souza)

Resolvi escrever esse texto com a esperança de que esse seja meu último escrito denunciando o racismo e eugenia da Elika Takimoto, professora do CEFET-RJ, porque não é de agora que ela vem fazendo posts racistas em suas redes sociais. Desde o ano passado escrevi sobre e venho acompanhando as publicações onde ele perpetua o racismo anti-negro entre suas e seus seguidorxs. Ano passado ela escreveu um texto falando sobre o aborto: “O Aborto é o Roubo Infinito” , no qual expressa sua opinião contrária à descriminalização do aborto, cuja primeira versão se referia aos dilemas das mulheres negras, e por meio dele ela vomitou seu racismo e raciocínios eugenistas. Ela afirmava que as próprias mulheres negras que fazem aborto é que estão promovendo a higiene racial negra no Brasil por impedir que crianças negras nasçam e que, se 4 de 5 mulheres que fazem aborto nos Estados Unidos são negras, logo, a culpa é delas. Ou seja, ela responsabilizava as negras pelas mazelas sociais, econômicas e psíquico emocionais geradas pelos projetos políticos de dominação da classe hegemônica – que desde o período escravocrata colonial até a escravatura contemporânea, ainda opera como aparato político do Estado para o controle social e dos corpos negros.

Diante dessa polêmica sobre o post igualmente racista e eugenista que ela publicou em sua rede social em relação os alunxs cotistxs negrxs do CEFET-JR, fui reler o texto: “O Aborto é o Roubo Infinito” e vi que ela o refez, excluiu a versão racista e criou outra estória fanfic para afirmar seu posicionamento contrário à descriminalização do aborto.

A citação da Neusa Souza é essencial para compreendermos o comportamento da Elika Takimoto em seus intentos racistas anti-negro. Em uma sociedade cujo “Ideal do Ego é branco”, é comum indivíduos pertencentes aos grupos “não branco”, que arcam com o ônus de pertencerem a grupos estigmatizados, incorporarem e propagarem padrões comportamentais e ideológicos dos estigmatizadores e opressores. Considerando o processo histórico da constituição da sociedade brasileira, a elite branca personifica a Lei e a Ordem. E, é ela quem possui o dispositivo do poder e assume o lugar do discurso e consequentemente, suas imposições vão criar modus operandi na sociedade e nas interações entre os indivíduos.

Alunxs cotistas negrxs do CEFET e pessoas do movimento negro questionaram as expressões racistas contidas na publicação. A polêmica causou grande repercussão e Elika excluiu a publicação da página com o argumento de que estava sendo ameaçada. O texto publicado por ela na rede social pode ser lido abaixo.

Muitas dessas pessoas que almejam alcançar o Ideal do Ego; ser branco, agem muitas vezes com o entendimento de que essa é uma possibilidade de atingir esse padrão e que assim deixarão de ser estigmatizados, pois, eles sabem que biologicamente, mesmo com correções cosméticas e cirúrgicas, suas marcas, seus estigmas – recursos visuais criados pelos gregos para se referirem a sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os representava (GOFFMAN)  não desaparecerão por completo. Então, o recurso palpável para que o seu processo de tornar-se branca aconteça, se dá no plano ideológico, da subjetividade. Nessa perspectiva, a Elika Takimoto vai fundamentar suas interações com pessoas negras, em modelos hegemônicos desenvolvidos nos projetos de colonização e opressão dos corpos negros pela supremacia branca. Logo, ela vai performar se colocando como a benévola, que vai tutelar e salvar seus alunos negros da ignorância; lhe ensinar a pegar no lápis e a estudar, pois, afinal, os negros são seres de outros planetas, destituídos de agência e portanto, não comungam com ela a mesma condição de seres humanos como o restante de seus alunos não negros. Ela se coloca como aquela que vai dar a luz à esses seres das trevas, mas, ao mesmo tempo que ela doa sua vida para elevar seus alunos negros à condição de civilizados, de gente; ela naturaliza estereótipos, o racismo e todo tipo de violência que estão contidas em seus discursos e escritos sobre a população negra. Sendo assim, ela se coloca na mesma posição de personalidades brancas que entraram para a histórica como “salvadoras” do povo negro, como por exemplo, a princesa Isabel.

Considerando que vivemos em uma sociedade racializada desde seu primórdio, onde o modelo do ser universal; de humanidade é branco, os indivíduos não brancos, mesmo em condições distintas, embora que um ou outro tenha certos privilégios, como por exemplo, os japoneses no Brasil; ainda assim, essas pessoas em algum momento serão enquadradas na moldura dos subjugados.

Esse tratamento diferenciado que é concedido aos japoneses e seus descendentes aqui no Brasil, é muito porque temos uma elite que sofre profundamente do complexo de inferioridade e da Síndrome do Vira-lata. Sabemos que em outros países como os europeus e nos Estados Unidos, o tratamento aos imigrantes é diferenciado. Não quero aqui defender a xenofobia, pelo contrário, e sim apontar como o racismo à brasileira, onde o preconceito racial se apresenta por preconceito de marca (NOGUEIRA), opera de forma a fazer concessões aos indivíduos cujas marcas se aproximam o máximo do Ideal do Ego, da branquitude.

Por desfrutar dos privilégios que a elite e a classe média brasileira concede a seu grupo e a ela; a Takimoto utiliza das diferenças não somente biológicas, mas principalmente social e econômica para afirmar sua suposta “superioridade” e poder sobre nós, pessoas negras. E para isso, ela vai se inspirar nos princípios dos projetos de promoção de subalternização dxs negrxs; de dominação europeia; do branco porque “branco é uma metáfora de poder”  (Documentário: Eu não sou seu nego).

A Elika Takimoto não é branca, mas, mulheres brancas conservadoras, racistas e fascistas a tem como porta-voz e compartilham em massa seus posts. Isso acontece porque em seus escritos ela expressa as ideologias hegemônicas elaboradas pelos colonizadores, grupo do qual a elite brasileira é herdeira e pertencente, e que se colocar sempre na condição de raça superior aos demais grupos étnicos-raciais para manter seus privilégios a qualquer custo. Na sua busca por alcançar esse Ideal do Ego, ela recorre aos pensamentos eugenistas, naturalização – embora essa corrente ideológica seja duramente contestada e refutada, inclusive por cientistas e intelectuais brancos, mesmo que parcela desses, às vezes, disseminem pressupostos racistas.

Na verdade, a professora tenta buscar alcançar e seu ser branco através de recursos que compõem o campo simbólico da branquitude hegemônica, colonizadora e opressora porque “ os sistemas simbólicos fornecem novas formas de se dar sentido à experiência das divisões e desigualdades sociais e aos meios pelos quais alguns grupos são excluídos e estigmatizados ( Woodward, 2011). também porque essa é a única possibilidade de se aproximar mais do Ideal do Ego.

Essa forma que o “ser branca” da Elika se expressa é a confirmação da citação da Neusa, pois, ela atua a partir daquilo que está imposto pelo grupo dominante, que em sua maioria é composta por homens, brancos, héteros, velhocêntricos e ricos, que institui a Norma e a Lei que sustentam a base das políticas públicas do Estado brasileiro – esse que já acarretou e promoverá a morte de milhões de pessoas, em sua maioria, negras e indígenas.

Entendo que, quando uma pessoa não é capaz de construir uma narrativa honesta e digna de si, ela até pode se utilizar de referenciais alheios, mas, se tratando de um grupo capaz de produzir tantas mazelas sociais, também produz aparatos importantes que podem ser utilizadas como recursos de transformação desse mundo falido em uma comunidade de humanidades melhores.

Bibliografia consultada
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Trd. Coletivo Sabotagem 2004

NOGUEIRA, Aracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v.19, n.1 2006
SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro: as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascenção social. Rio de Janeiro. Ed. Graal LTDA, v. 2, 1990
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Org. Tomaz Tadeu da Silva. Ed. Vozes. v. 10. 2000

 

 

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  • Antonilde Rosa

    Antonilde é cantora, formanda em Bacharelado em Canto Lírico pela UFG. Ativista dos Feminismos negro,é integrante da Red...

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