Nos últimos dias, acompanhando os noticiários, especialmente o do Dia das Crianças, uma cena chamou a minha atenção. Era um menino, com entre sete e oito anos, que falava para a jornalista: “Brinquedo não é comida”. A frase teve o impacto de um soco na boca do meu estômago. 

Ao mesmo tempo, minha mente foi invadida por várias cenas, especialmente dos dois últimos anos, em que a pandemia fez milhares de vítimas e deixou sequelas físicas, sociais e morais entre os mais vulneráveis.

Foi inevitável pensar em todas as situações em que a falta de políticas públicas inclusivas deixou e tem deixado mães e seus filhos sem perspectiva. Que tipo de país estamos construindo para esse menino?

Quantos, como ele, não receberam sequer um presente? E quantos mais, também como ele, trocariam qualquer brinquedo pela chance de ter comida no prato todos os dias?

Estamos construindo uma sociedade em que as crianças vulneráveis têm como única perspectiva repetirem o ciclo de miséria e negação de direitos de seus pais. De forma piorada até, diria eu. A fome atinge hoje mais de 19 milhões de brasileiros e está se agravando dia a dia, pois já são 50 milhões vivendo em situação de insegurança alimentar.

Temos no país quase 15 milhões de desempregados. Sem renda e sem emprego, com os preços subindo por conta de uma inflação que beira os dois dígitos, o acesso à comida fica ainda mais difícil entre os mais pobres. Aliás, estudo da Universidade de de Oxford com dados do Banco Mundial mostram que o Brasil foi o país em que os preços mais subiram durante a pandemia. 

Em um ano, os campeões de aumento foram: óleo de soja, com 87%, arroz, 70%; o feijão-preto, 51%; carne, 30%; e leite, 20%. Não por acaso cresceu a procura por ossos, peles, pelancas e pés nos açougues. Na panela, viram sopas e caldos ralos – mais cheios de gordura do que de proteína. Mas que outra opção eles têm para colocar esse alimento no prato?

Outro importante indicativo de que algo está muito errado com nossa economia e as políticas de apoio emergencial é a quantidade de famílias que estão em situação de rua. Antes, eram prioritariamente homens. Hoje, são famílias e muitas apenas com as mães solo e seus filhos. 

Esse triste retrato se agrava dia a dia por conta de um governo que não prioriza programas sociais e de socorro aos mais necessitados de todo tipo de cuidado.

O que esperar de um governo que, sabendo do fim do auxílio emergencial neste mês, discute de forma velada o Auxílio Brasil – um programa tão nebuloso como as ações do Sr Jair Bolsonaro?

O melhor presente para esse menino e para todos os que, como ele, vivem situação de fome e miséria seria a dignidade de ter comida no prato, acesso à moradia, água potável, escola de qualidade. Somente dessa forma ele terá a possibilidade de escolher e não ser mais um candidato na lista dos que não têm nada a perder.

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  • Paola Carvalho

    Assistente social, especialista em Gestão de Políticas Públicas na perspectiva de gênero e promoção da igualdade racial,...

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