Desigualdade de gênero é sinônimo de trabalho não remunerado, por isso o Dia da Trabalhadora na vida das mulheres é uma data com significado que perpassa a luta de classes. Motivo pelo qual intitulamos esse artigo com uma frase inspirada nas análises da filósofa Silvia Federici.

O Dia da Trabalhadora na vida das mulheres é um apelo à reflexão, à participação e, sobretudo, à ação e à transformação das nossas práticas cotidianas. É propor uma leitura menos romântica e mais concreta de como vivem as mulheres e quais as políticas públicas que estão na ordem do dia para reverter esse quadro.

O trabalho doméstico e de cuidado recai, na maioria das vezes, sob mulheres e meninas ao redor do mundo. Esse tipo de atividade é conhecido também como “trabalho invisível”, visto que não é remunerado, mas espera-se que as mulheres cumpram o papel de fazê-lo. Essa situação se torna ainda mais desigual em momento de pandemia, onde as pessoas estão mais presas ao ambiente doméstico, aumentando a sobrecarga de trabalho feminina.

Relatório apresentado pela Oxfam, publicado meses antes da pandemia (2020), aponta que as mulheres são responsáveis por 75% do trabalho de cuidado não remunerado realizado no mundo, somando, diariamente, mais de 12 bilhões de horas gastas por mulheres e meninas em todo o mundo. O dado mais impactante é que todas essas horas de trabalho correspondem a uma quantia de aproximadamente 10 trilhões de dólares por ano, cerca de três vezes mais do que o valor gerado pela indústria tecnológica, por exemplo.

Os dados são ainda mais desiguais ao olharmos para a realidade brasileira, onde os dados apontam que 85% do trabalho de cuidado é feito por mulheres. Segundo o IBGE, em 2019, as mulheres dedicavam, em média pouco mais de 21 horas semanais ao trabalho doméstico, enquanto os homens apenas 11 horas, praticamente a metade do tempo. Nos casos das mulheres que trabalham fora de casa, a desigualdade persiste: elas cumprem, em média, mais de 8 horas a mais em obrigações domésticas em relação aos homens que também trabalham fora.

Mas essa realidade nos desafia no presente e também no futuro. Em 2050, o Brasil terá cerca de 77 milhões de pessoas dependentes de cuidado (pouco mais de um terço da população estimada) entre idosos e crianças, segundo dados do IBGE. A pandemia no Brasil agravou ainda mais esse quadro.

Entre 2019 e 2020, o Brasil registrou uma queda de 10% no número de mulheres empregadas. Em termos absolutos, isso significa uma queda de 4,2 milhões de mulheres ocupadas. No mesmo período, de acordo com a PNAD Contínua, a queda na quantidade de homens ocupados foi de 7,9%. Ou seja, embora o cenário seja adverso para todos, podemos notar que o impacto foi relativamente maior entre mulheres.

A substancial queda no nível de ocupação feminino reflete pelo menos dois aspectos importantes: 1. Aumento do número de mulheres desocupadas: no final de 2020, havia 1,1 milhão a mais de mulheres desocupadas, em comparação com o final de 2019; 2. Redução do número de mulheres na força de trabalho – ou seja aquelas que trabalham ou estão buscando emprego – que levou a taxa de participação feminina ao menor nível da série (45,8%, no 3º trimestre de 2020).

Em outras palavras, mais da metade das mulheres estava fora da força de trabalho – nem estavam ocupadas, nem buscavam ocupação – revertendo uma tendência de aumento na participação feminina da força e trabalho de três décadas. É importante destacar que os motivos para estar fora da força de trabalho são muito heterogêneos entre homens e mulheres: 26% das mulheres que estão fora da força relatam como motivação os afazeres domésticos ou cuidados com outras pessoas. Para homens, esse valor é de apenas 2%.

Portanto, as mulheres estão em grande maioria no trabalho invisível, não reconhecido e não remunerado. Quando estão no mercado, ainda são a maior parte do trabalho informal e autônomo, sem garantias trabalhistas e previdenciárias.

O quadro exige respostas rápidas e complexas. É preciso enxergar esse conjunto de políticas de proteção social que foram desmontadas e que poderiam ser uma grande rede de apoio à essas mulheres: como por exemplo, o déficit de vagas na educação infantil, que chega a 1,2 milhão de crianças de 4 e 5 anos que ainda não frequentam a escola. Ainda, que as crianças de 0 a 3 anos, o percentual de atendimento em creches alcança apenas 31%, segundo dados do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa (CTE-IRB).

Nas políticas de transferência de renda, são as mais vitimadas pelo preconceito e a construção de mitos que as colocam na condição de não merecedoras. Como se o mercado de trabalho, as opções de sustento e sobrevivência dependessem essencialmente da meritocracia. Fruto de construção de discurso anti-povo, anti-políticas públicas, teto de gastos e que políticas de proteção é o que pesa aos ombros do orçamento público. Uma falácia que tem afetado a vida da população.

Num país, onde a concentração de renda é uma das maiores do mundo. Os 10% mais ricos no Brasil possuem quase 80% do patrimônio privado do país. A concentração de capital é ainda maior na faixa dos ultrarricos, o 1% mais abastado da população, que possui, em 2021, praticamente a metade (48,9%) da riqueza nacional. Enquanto isso, em 2021, os 50% mais pobres possuem apenas 0,4% da riqueza brasileira (ativos financeiros e não financeiros, como propriedades imobiliárias).

É preciso avançar, não acham? Quando vamos começar a enxergar a taxação progressiva de multimilionários, que permitiria investimentos em educação, saúde e transição ecológica e descontração de renda como alternativa? Uma reforma tributária ambiciosa no Brasil, que tornasse o sistema tributário mais justo e solidário. Afinal, o Brasil é um dos poucos países no mundo que não cobra imposto sobre dividendos (uma parcela do lucro das empresas distribuído aos acionistas), por exemplo.

Reformas estruturais que poderiam nos colocar no caminho real de uma Renda Básica de Cidadania, universal e incondicional. Pela vida, dignidade e liberdade das mulheres e dos homens. Para que possamos vencer esse “estado de mal-estar social” que vivemos e possamos voltar a sonhar. Eu não deixarei essa pauta morrer!

E eu concluo essa reflexão com uma frase de mais de um século da feminista e educadora Alexandra Kollontai: “O capitalismo colocou um fardo esmagador sobre os ombros da mulher: fez dela uma trabalhadora assalariada sem ter reduzido seus cuidados como governanta ou mãe”.

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  • Paola Carvalho

    Assistente social, especialista em Gestão de Políticas Públicas na perspectiva de gênero e promoção da igualdade racial,...

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