Domingo, dez de abril de dois mil e vinte e dois. A aridez destes últimos anos tem sido petrificante. Não bastasse a pandemia e o escandaloso número de vítimas fatais no Brasil – hoje mais de 660 mil – por contraírem o vírus Covid-19, diariamente somos assaltadas com notícias de mais uma mulher vítima muito próxima de nós.

Por uma semana, acompanhamos do drama da família com o desaparecimento da técnica de enfermagem do Hospital Universitário HU/UFSC, Yara Filomena Werner da Silva. A pensávamos viva, queríamos que estivesse viva. Mas, não foi assim. Foi encontrada morta na segunda-feira, dia 04 de abril, em Florianópolis, com o corpo carbonizado. Um crime bárbaro, hediondo.

O que de fato aconteceu? A polícia investiga. Um histórico de boletins de ocorrências pode levar a uma pista. Todavia, não temos respostas. Sabemos que convivia com o parceiro e era/é mãe de duas crianças e um adolescente, agora órfãos. É mais uma mulher assassinada. Homicídio, como tratam as investigações? Feminicídio?

O fato é que em Santa Catarina, somente no mês de janeiro deste ano, oito mulheres perderam a vida por crime de feminicídio, um aumento de 300% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Ainda neste janeiro, no estado, foram registradas 77 ocorrências de estupro e 1.537 de lesão corporal dolosa. No ano de 2021, 19.702 medidas protetivas foram requeridas neste estado de acordo com o TJSC.

Dados estes, sabemos, subnotificados porque a maior parte dos casos de estupros e violências contra mulheres e meninas não são denunciados e, portanto, não são notificados. A realidade é mais cruel do que revelam as estatísticas oficiais. Em março de 2021, Santa Catarina estava entre os estados da federação mais feminicidas na pandemia. Em março de 2022, o que mudou?

Numa manchete da imprensa, lemos que o “Brasil teve um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio a cada 7 horas em 2021”. Neste ano de 2022, no que isso mudou? Infelizmente, assassinatos feminicidas e casos de estupros e outras violências contra mulheres e meninas continuam destruindo vidas e sonhos. Vivemos uma pandemia paralela que mata e destrói mulheres e meninas.

Feminicídios, em geral, acontecem seguidos de um histórico de violências como agressões físicas, psicológicas, ameaças e controle de homens violentos sobre mulheres que mina as resistências e alimentam o medo da denúncia. Representam o ápice de uma relação conflituosa que culmina em assassinatos. Estupros em geral são denunciados, quando são, após várias ou muitas ocorrências, também por conta de ameaças, medo, vergonha e sentimento de culpa. O patriarcado mata.

No dia 31 de março fez um ano de criação do Observatório da Violência Contra a Mulher de Santa Catarina, elaborado com esforço de união entre as instituições governamentais e não governamentais em prol do combate à violência contra a mulher, compondo um sistema integrado de informações de violência contra a mulher neste estado.

A coordenadora da Bancada Feminina da ALESC, Luciane Carminatti (PT), enfatizou a urgência e o desafio de implementar este sistema integrado de informações, para o qual estão empenhadas mulheres que integram os 37 conselhos municipais dos direitos da mulher. Carminatti citou o caso da representação feminina na Alesc: “Somos seis deputadas, mas cinco deputadas fazem parte da Bancada Feminina. Não basta ser mulher, precisa defender as causas”.

“Precisamos sensibilizar os gestores dos municípios em relação à violência contra a mulher, para que criem uma estrutura de informática com dados de suas realidades locais e dar acessibilidade a esses dados a todas as mulheres”, afirmou Teresa Kleba Lisboa, coordenadora do grupo de trabalho que implantou o Observatório.

O estado, e seu governo, tem o dever de se comprometer com a manutenção do Observatório, manter dados atualizados de todas as formas de violências contra mulheres e meninas – feminicídios, ocorrências de estupro e de lesão corporal, violência doméstica e outras – com intuito de promover políticas públicas para minimizar e extirpar estas violências. No site do Observatório, além dos dados, lemos informações como legislações, decretos e projetos em tramitação relacionados às mulheres, tanto no âmbito federal como no estadual e municipal.

Estes esforços devem vir comprometidos com uma educação de gênero para adultos e para estudantes em todos os níveis. Afinal, quais as raízes da violência contra as mulheres e meninas? São estruturais, e se manifestam mais barbaramente quando o Estado é omisso e, como acontece hoje, seus governantes e parlamentares homens disseminam virilidades nocivas e masculinidades perniciosas impregnadas de violências de gênero.

Assistimos diariamente estas nefastas e maléficas representações de homens que reverberam macheza, ostentam armas e desqualificam as mulheres, estejam elas na esfera pública política ou não. Vivemos uma (des)governança que se pauta no ódio às mulheres.

O machismo e seus efeitos estão incrustados e disseminados em todas as relações humanas, impregnado nos hábitos, clichês, preconceitos, estereótipos, opiniões que invadem o cotidiano e deseduca. Uma bela iniciativa vem de uma organização civil nas Filipinas que criou uma campanha nas redes sociais com o objetivo de lutar contra estigmas que se impõem sobre as mulheres e também os homens.

Em um vídeo que circula nas redes sociais intitulado “Sim, é um problema dos homens – por uma educação sem toxidez por respeito”, assistimos homens falando de si, suas subjetividades e chamando para que homens ressignifiquem suas posturas machistas e misóginas. Recomendo que assistam e utilizem em ações pedagógicas.

https://www.facebook.com/1766335590/videos/996487601303523/

Acredito que iniciativas envolvendo homens e, por extensão, meninos e jovens, são educativas e se movem no sentido de desnaturalizar violências de gênero: de socialmente aceitáveis, banalizadas, permitidas e até estimuladas para homens com novas posturas e vivências não violentas. Masculinidades tóxicas são nocivas aos homens, sofríveis, muitas vezes, e reverberam na violência contra as mulheres.

A educação de gênero é imprescindível para uma sociedade sem violências contra mulheres e meninas, como também é na desconstrução de masculinidades tóxicas.

“Toda mulher, independente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade, religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” Lei Maria da Penha – Art. 2.

PAREM DE NOS MATAR!

Marlene de Fáveri, 10 de abril de 2022. Florianópolis.

Marlene de Fáveri

Marlene de Fáveri, natural de Santa Catarina, Historiadora, professora Aposentada do Departamento de História da UDESC. Membro do Laboratório de Relações de Gênero e Família (LABGEF), do Instituto de Estudos de Gênero (IEG), do GTGênero (ANPUH Brasil) e da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil (AJEB). Autora de artigos, capítulos de livros e artigos de História, Gênero, Feminismo, Divórcio, Mercado do Sexo, Mídias. Foi processada em 2016 por ex aluna no teor da ‘escola da mordaça”, vencedora no processo. É feminista, poetisa, escritora e militante pelos Direitos Humanos e cidadania, com foco nos direitos das mulheres. Participa do Grupo de Poetas e Escritores Mario Quintana, fundado em Itajaí em 1988, com publicações em coletâneas e diversas premiações, como para o Off Flip 3023. É colunista no Portal Catarinas - jornalismo com perspectiva de Gênero. Em 2021, publicou dois (02) volumes de Crônicas da incontingência da clausura – cotidianos da pandemia (Letras Contemporâneas) uma série de 54 crônicas escritas no calor dos acontecimentos da pandemia, com foco no feminismo e nas fissuras de viver num tempo pandêmico. Em 2022, escreveu e organizou o livro O Ultrarrealismo na cena literária de Itajaí (Traços & Capturas), e o livro de poesias feministas: Se pulsa, arde e resiste (Infinitta Leitura).

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