Crônica da incontingência da clausura (53) – ou “A esperança e a memória que deseja”
Domingo, quatorze de março de dois mil e vinte e um. Que semana, amigas! Muitos eventos na semana da Mulher, embora todos os dias, semanas e meses sejam delas. Não, as mulheres não são passivas nem submissas – são as trincheiras, as fortalezas. Elas falam, se mexem, avançam, agem, não se dobram. Sofrem sim, mas fazem das agruras, resistências. Sobretudo as tantas mulheres que trabalham nas duplas e triplas jornadas para dar conta da sobrevivência. Com os impactos da pandemia, elas sofrem mais, desassistidas e obrigadas à exposição diária na busca do alimento e nos cuidados de si e dos outros.
Nesta semana tivemos perdas, danos, saudades… o número de conhecidos e amigos contaminados pelo coronavírus aumenta. Hoje, uma pessoa morre a cada 30 segundos no Brasil e já são 280 mil óbitos. Canalhas negacionistas, quantas vidas seriam poupadas se tivéssemos um governo que não fosse inepto, bárbaro e genocida. A história não o poupará dessa vergonha pública nacional e internacional, deste nacionalicídio sem precedentes na história do país. Verdugo e monstro o que ele é.
Esta tragédia me entristece. Em Florianópolis, não me arrisco nem a dar uma caminhada no parque – sempre há um ou mais abobados sem máscara que passam quase trombando na gente, esses doentes de imbecilidade. Uma amiga me falou da tensão mental que a desorienta, e sei que o psicológico está em frangalhos. Estamos exaustas de notícias que nos põem mais alertas a cada dia, fartas de assistir ao desmonte dos direitos humanos, das políticas públicas, da saúde e da educação. Estamos nauseadas com tantas violências.
É amedrontador. Minha filha Tashi, numa ligação, me fez chorar de saudades, ah, que vontade de seu abraço! Desabafei dos meus medos e angústias. Do cansaço desta clausura. Da vontade de dançar tango. Da desolação com a situação do país que afunda na lama. Da miséria social e econômica que está matando gente de fome. Das pessoas pérfidas que espumam ódio e não se protegem do vírus medonho. Da politização da saúde e da morte. Do colapso dos hospitais. Da (des)ministra que, a mando do asno, não aderiu ao compromisso com a saúde feminina na Declaração do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Da negacionista adepta da tal ‘escola sem partido’ e defensora do criacionismo, alçada ao comando da seleção de material didático do MEC. Do conservadorismo a disputar demônios na arena política que deturpa e demoniza o Gênero e o Feminismo. Do aumento dos feminicídios e das violências domésticas e sexuais. Do médico que, para minimizar minha dor no joelho, receitou-me perder peso, nadar e andar de bicicleta, justo na pandemia. Da amiga Angelita que sofre com os pais doentes. Das pessoas que, ficamos sabendo, morreram da peste medonha, a Covid-19.
Minha filha ouviu, pacientemente, depois disse: “Mãe, tens que reagir, cuidar do corpo e da mente, descansar. Se este ano está assim, o ano que vem vai ser pior com a polarização política num ano de eleições, e sei como sofres com isso. Cuida de ti, mãe! Tens que estar forte para o que vem pela frente. Te fortalece, és guerreira. Te amo!”. Bateu-me na jugular. Prometo me olhar mais, filha.
Por outro lado, coisas boas aconteceram. Falei em três debates (lives) onde pude expressar minhas preocupações e fúrias com as violências contra mulheres e meninas. Participei de um podcast com as colegas Silvia Arend e Gláucia Assis organizado pelo Laboratório de Relações de Gênero e Família (LabGef), da UDESC. Vibrei com a amiga Paula Guimarães que conseguiu adquirir seu sonhado apartamento. Senti orgulho da sobrinha Mariana de Fáveri quando assisti seu vídeo engajado e feminista. Encontrei, mesmo que sem abraços, a amiga Regina Bittencourt que me preencheu de alegrias. Gravei uma homenagem póstuma ao querido amigo Luiz Felipe Falcão para ser divulgada no Seminário Internacional Tempo Presente na UDESC. Dei entrevista ao Sandro Silva para o SINTE/Itajaí. Encontrei Antônio que, com ternura, colocou-me seda na pele e aliviou meus pés.
Outra alegria foi ouvir Lula e reavivar sonhos: numa estrela de esperança se faz o andar, o pensar, o sonhar, o amar… sem armas e sem medo de ser feliz! Tanta emoção que palavras não dão conta e nem caberiam neste espaço. Lembro da primeira eleição de Lula, eu morava em Itajaí, e a alegria daquele momento está tão nítida na minha memória que é como se fosse hoje! “A esperança é a memória que deseja”, e nós temos estas memórias e desejamos, Balzac. Nada de amarfanhar trancos porque esmorecer, jamais! Vamos sobreviver na resistência para contar aos nossos netos como saímos deste infortúnio para dias de alegrias. Seremos felizes de novo!
Nesta sexta-feira, pela tarde, recebi uma mensagem da Editora Letras Contemporâneas: “Teu livro chegou da gráfica!”. Vibrei a alegria de uma conquista: o livro Crônicas da incontingência da clausura – cotidianos na pandemia (volume 1) está pronto para ganhar olhos e sentidos de leitoras e leitores que, sei, estão esperando. Fui buscá-lo na livraria Livros&Livros e ei-lo nas minhas mãos! Folheando-o, pouso as retinas na imagem de minha mãe e minha filha e me vertem lágrima que são de puro afeto. Ah, como eu as amo!
Escrever é a parte que me fascina, é a mais fácil. Mas fazer livros passa por várias etapas como coordenação da edição, diagramação, capa, revisão, gráfica, divulgação. Isso envolve um trabalho cuidadoso de muitas mãos e olhos. E, é claro, custa caro e é preciso pagar a conta… (adquira seu exemplar aqui)
Obrigada, gente! Nada seria feito sem o incentivo, o carinho e os tantos retornos em forma de mensagens a cada domingo, nas segundas e nos dias seguintes. Este livro contém metade de um conjunto de crônicas escritas na pandemia, e logo virá o segundo volume, encerrando a série da incontingência da clausura. Escrever é o meu vício: alimento-o no exercício de catar palavras e desdobrar verbos.
Obrigada às pessoas que acreditaram: Angelita Maria Correia, Rejane Wilke, Fábio Brüggemann e Daniel Mayer. Obrigada às pessoas que me aconselharam com suas leituras: Gláucia de Oliveira Assis, Teresa Kleba Lisboa, Joana Maria Pedro, Viegas Fernandes da Costa, Urda Alice Klueger e Onice Sansonowicz. Obrigada ao Portal Catarinas, à Paula Guimarães e toda equipe! A Tashi, meu mais perfeito poema, e a minha mãe Therezinha, que costurou minhas asas para que eu pudesse voar!
A vida tem desalentos, e também confortos. “Então plante seus próprios jardins e decore sua própria alma, em vez de esperar que alguém lhe traga flores”, ensina Jorge Luis Borges.
Marlene de Fáveri, 14 de março de 2021. Florianópolis.